domingo, 9 de novembro de 1997

O homem solitário

           Inicia Graciela Mántara o seu livro, Francisco Espínola: época, vida e obra (Ediciones de la Casa del Estudiante, Montevideo, s/d) dizendo que, na curta história da Literatura uruguaia, um número excessivo de escritores foi convertido em mito o que, no seu entender, pode significar algo de positivo ou de negativo: positivo, quando afirma e prova a existência de valores permanentes de uma obra ou da figura humana que a produziu; negativo, ao dizer da existência de valores sem submetê-los à prova ou a revisões periódicas, deixando, assim, os escritores e suas obras congelados como estátuas de bronze que obrigam à homenagem e à reverência como aconteceu com Zorrilla de San Martin, Delmira Agustini, Juana de Ibarbourou, Fernán Silva Valdés pois, embora possam aparecer críticos dispostos a uma revisão séria e objetiva para situar os valores nos seus justos termos, eles acabam por não transcender os círculos intelectuais e o Ensino continua a manter intocados os seus bronzes.

          Para a  autora uruguaia  não foi o que se verificou com Francisco Espínola, igualmente, uma figura-mito da Literatura de seu país. Críticos deslindaram erros e acertos, valores permanentes e elementos perecedouros na sua obra. E retoma essas apreciações para continuar com um trabalho de aproximação crítica cuja qualidade, além da extrema clareza de exposição, é a minuciosa análise de dois contos de Francisco Espínola – “Rodriguez” e “Qué lástima!” – verdadeiramente dignos de figurar nas melhores antologias do gênero. E reconhece, como um paradoxo, não fossem as válidas razões, que a figura de Francisco Espínola como ser humano continua –sendo exemplarmente mítica pois seus amigos e discípulos tanto disseram e tanto escreveram sobre ele que essa gama de testemunhos já se incorporou à memória da comunidade.

          Quando ela fala nessas facetas que em Francisco Espínola coexistiram – o amigo, o professor, o conversador incansável e brilhante, o escritor de vários gêneros, o leitor sensível e penetrante das obras alheias, o militante político – mostra-se, em cada episódio, algo de curioso, de inesperado, de comovente.
          Assim, esse testemunho que Francisco Espínola dá sobre a gênese de um conto; assim, essa tardia adesão ao Partido Comunista; assim, essa experiência de se ver privado de liberdade.
          Foi no Levante contra Gabriel Terra, em janeiro de 1935. Presidente do Uruguai havia assumido quatro anos antes e logo negara a Constituição. Contra ele se posicionou um grupo para destituí-lo do Poder. No Passo Morlán, em Colonia, houve um encontro entre governistas e rebeldes que deixou três baixas e alguns prisioneiros. Um deles, Francisco Espínola.
          Quando, diante da Delegacia desceu da viatura, na calçada, um homem o cumprimenta, reconhecendo nele o autor de Sombras sobre la tierra, romance que havia publicado em 1933.Logo, o deixam sair da cela porque o homem que o reconhecera, confessando-se um admirador, dispõe-se a preparar-lhe uma comida especial. Francisco Espínola se comove com o gesto mas recusa e volta, contente para junto dos companheiros. Diante das perguntas que lhe fazem, responde: Ai, é uma pena que vocês não tenham me ajudado a escrever Sombras sobre la tierra. A esta hora estaríamos todos jantando.

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