Inicia
Graciela Mántara o seu livro, Francisco
Espínola: época, vida e obra (Ediciones de la Casa del Estudiante, Montevideo,
s/d) dizendo que, na curta história da Literatura uruguaia, um número excessivo
de escritores foi convertido em mito o que, no seu entender, pode significar
algo de positivo ou de negativo: positivo, quando afirma e prova a existência
de valores permanentes de uma obra ou da figura humana que a produziu;
negativo, ao dizer da existência de valores sem submetê-los à prova ou a
revisões periódicas, deixando, assim, os escritores e suas obras congelados como estátuas de bronze que obrigam à homenagem e à reverência
como aconteceu com Zorrilla de San Martin, Delmira Agustini, Juana de
Ibarbourou, Fernán Silva Valdés pois, embora possam aparecer críticos dispostos
a uma revisão séria e objetiva para situar os valores nos seus justos termos,
eles acabam por não transcender os círculos intelectuais e o Ensino continua a
manter intocados os seus bronzes.

Para a autora uruguaia não foi o que se verificou com Francisco
Espínola, igualmente, uma figura-mito da Literatura de seu país. Críticos
deslindaram erros e acertos, valores permanentes e elementos perecedouros na sua
obra. E retoma essas apreciações para continuar com um trabalho de aproximação
crítica cuja qualidade, além da extrema clareza de exposição, é a minuciosa
análise de dois contos de Francisco Espínola – “Rodriguez” e “Qué lástima!” –
verdadeiramente dignos de figurar nas melhores antologias do gênero. E
reconhece, como um paradoxo, não fossem as válidas razões, que a figura de
Francisco Espínola como ser humano continua –sendo exemplarmente mítica pois
seus amigos e discípulos tanto disseram e tanto escreveram sobre ele que essa
gama de testemunhos já se incorporou à memória da comunidade.
Quando
ela fala nessas facetas que em Francisco Espínola coexistiram – o amigo, o professor,
o conversador incansável e brilhante, o escritor de vários gêneros, o leitor
sensível e penetrante das obras alheias, o militante político – mostra-se, em
cada episódio, algo de curioso, de inesperado, de comovente.
Assim,
esse testemunho que Francisco Espínola dá sobre a gênese de um conto; assim,
essa tardia adesão ao Partido Comunista; assim, essa experiência de se ver
privado de liberdade.
Foi no
Levante contra Gabriel Terra, em janeiro de 1935. Presidente do Uruguai havia
assumido quatro anos antes e logo negara a Constituição. Contra ele se
posicionou um grupo para destituí-lo do Poder. No Passo Morlán, em Colonia,
houve um encontro entre governistas e rebeldes que deixou três baixas e alguns
prisioneiros. Um deles, Francisco Espínola.
Quando,
diante da Delegacia desceu da viatura, na calçada, um homem o cumprimenta,
reconhecendo nele o autor de Sombras
sobre la tierra, romance que havia publicado em 1933.Logo, o deixam sair da
cela porque o homem que o reconhecera, confessando-se um admirador, dispõe-se a
preparar-lhe uma comida especial. Francisco Espínola se comove com o gesto mas
recusa e volta, contente para junto dos companheiros. Diante das perguntas que
lhe fazem, responde: Ai, é uma pena que
vocês não tenham me ajudado a escrever Sombras
sobre la tierra. A esta hora estaríamos todos jantando.
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