domingo, 16 de novembro de 1997

As descobertas


           No verão de 1953 foi criada, em Paris, The Paris review com o objetivo de publicar trabalhos ficcionais e poéticos em vez da escrita sobre a escrita. Além da publicação de trabalhos originais, a proposta era registrar as palavras dos próprios escritores sobre as suas obras o que originou reportagens com mais de duzentos romancistas, poetas e dramaturgos contemporâneos.

          Passados alguns anos, em 1996, a editora El Ateneo de Buenos Aires selecionou as reportagens sobre escritores latino-americanos para publicar Confesiones de escritores, Escritores latinoamericanos, no qual estão presentes Adolfo Bioy Casares, Jorge Luiz Borges, Guillermo Cabrera Infante, Julio Cortázar, Carlos Fuentes, Gabriel García Márquez, Pablo Neruda, Octávio Paz, Manuel Puig, Mario Vargas Llosa.

           Com exceção da entrevista de Adolfo Bioy Casares, realizada em 1995, as demais são menos recentes. A que foi feita com Jorge Luiz Borges, por exemplo, data de 1966 e, as demais, de 1970, 1981, 1989, 1990 e 1993. Não tratam, então, das últimas obras publicadas, mas determinadas questões – sobre o método de trabalho do escritor, sobre suas leituras, sobre o fenômeno da criação, sobre a gênese de certas obras – conferem à Confesiones de escritores características curiosas e instigantes. Ainda que, por vezes, as perguntas versem a propósito de algo da vida pessoal do escritor (momentos amorosos de Adolfo Bioy Casares ou o que ocasionou a ruptura entre Mario Vargas Llosa e Gabriel García Márquez) ou tenham sido anteriormente respondidas.

           Assim, Mario Vargas Llosa já havia dito antes que La guerra del fin del mundo é a sua obra mais importante. Reitera a afirmação, nessa entrevista de 1990, ao comentar que, na sua origem, o tema não estava destinado a um romance mas a um filme de Rui Guerra que seria produzido pela Paramount de Paris.Foi conversando com o cineasta, cuja idéia era filmar uma história relacionada com Canudos que ouviu, pela primeira vez, falar no assunto. Para realizar o roteiro, que lhe havia sido encomendado, passou a ler sobre a Guerra dos Canudos e uma de suas leituras iniciais foi Os sertões.Essa obra de Euclides da Cunha, diz, foi, para ele, uma das grandes revelações. Como o fora a leitura de Os três mosqueteiros quando criança ou Guerra e Paz, Madame Bovary e Moby Dick já adulto.

          Atônito, se dá conta de ter lido um dos melhores livros já escritos na América Latina e que a ele deve La guerra del fin del mundo. E, então, se deixa fascinar, também, pelas demais obras sobre Canudos. Quando o projeto cinematográfico foi interrompido, continuou pesquisando, num entusiasmo que o fez trabalhar dez a doze horas por dia. O resultado foi o romance que, no seu entender, chegou mais perto do que ele chama o romance total (expressão usada para classificar Cien años de soledad quando, em 1971, escreveu García Márquez: historia de un deicidio), aquele romance que descreve, desde o nascimento até a morte, um mundo fechado e tudo aquilo que o compõe seja o individual, o coletivo, o legendário, o histórico, o cotidiano, o mítico.

          Além disso, confessa que o tema de Canudos lhe propiciou o que sempre desejara: escrever um romance de aventura profundamente ligado às questões históricas e sociais. Sobre elas, Mario Vargas Llosa trabalhou durante quatro anos, partindo, pela primeira vez na sua vida de escritor, de um universo desconhecido. Foi levado não somente a entendê-lo mas a perceber o quanto faz parte da História deste Continente o fanatismo e a intolerância.

           Tal relação, como aquelas feitas, muitas vezes, pelos demais autores entrevistados, contribui para dar vigência a essas confissões que os anos passados, a partir da data em que foram feitas, não alcançaram diluir.

          Até porque já é um fato aceito pelos latino-americanos só tomar conhecimento de certos acontecimentos muitos anos depois de eles terem se passado. Um atraso que também marca a distância entre o Primeiro Mundo, produtor científico, cultural e ideológico e os outros que lhe seguem, colonizadamente, os passos.

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