domingo, 7 de setembro de 1997

O valor da pesquisa

          Como “lembrança”, patrimônio ou herança foi comum que em algumas famílias, os filhos, com certo grau de escolaridade, solicitassem cópia da fala dos pais. Fala cuja gênese foi a pesquisa que Arlene Renk elaborou com vistas a sua tese de doutoramento, inscrita no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, no museu do Rio de Janeiro. Sob o título “A reprodução social camponesa e suas representações.
 
           O caso Palmitos – SC”, se agrupam seis capítulos, baseados numa pesquisa de campo, onde foram ouvidas cinqüenta pessoas de diferentes idades, diferentes posições familiares e diferentes posições na comunidade.

          São depoimentos espontâneos que traduzem uma visão de mundo discernível a partir de situações concretas: parentesco, herança, patriarcalismo, religião, honra familiar, trabalho, propriedade. E todo um mundo se revela, estabelecendo uma identidade, a do colono e delineando-o como um grupo social, para o qual as lides agrícolas eram a encarnação da liberdade. A liberdade buscada pelos antepassados que chegaram ao Brasil vindos da Europa, a fugir da servidão e que, no novo país, passava a significar também o progresso e pioneirismo. Uma busca renovada que leva os colonos, quando falta a terra, a novas migrações para garantir a sua condição camponesa e que explicará o processo de povoamento de Palmitos.

          Nessa trajetória, seguida pela pesquisadora, inscrevem-se as histórias individuais ou familiares: peças que compõem o grande painel de um fenômeno social que Arlene Renk registrou ao trabalhar sobre a continuidade das relações sociais no movimento de acesso à terra, obedecendo ao desejo de permanecer colono. Desejo, que irá determinar as leis de herança. Nelas, se evidencia o imperativo da não fragmentação das terras e daí os diversos modos de conservá-la no seu todo o que representa uma dificuldade diante do número de herdeiros e a conseqüente partilha não igualitária. Sobretudo, no que se refere às filhas que, dificilmente recebem um pedaço de terra porque num primado masculino a vontade paterna se constitui uma lei e como tal é seguida como deve ser seguido o costume de passar para os filhos o que foi recebido dos pais, assegurando assim a continuidade na fixação à terra: um ir no rastro do pai que acaba sendo, nos tempos mais recentes, interceptado por inúmeras razões: questões de herança, reavaliações de concepções, ampliação de horizontes, transformação que o progresso impõe no viver cotidiano. É quando a condição camponesa será percebida, não mais como uma vocação, mas como uma imposição: Se no modelo tradicional os penalizados, as vítimas eram aqueles que deveriam partir, parece que hoje, as vítimas seriam os que devem permanecer, os que não podem sair.

          Sem dúvida, o mundo mudou. E, assim, a vida camponesa não poderia permanecer à margem de todo um processo que se instaura no país, inserindo-se num contexto, qualificado de crise na qual se insere, também, o modo de obtenção de terras que passa a ser o das ocupações.

          Então, dos depoimentos, emergem as vozes dos líderes dos movimentos. São palavras tão emocionantes como aquelas que tratavam do viver cotidiano, da trabalhosa lide na terra. Um tom sentido e verdadeiro que a pesquisadora recupera e do qual não está ausente a denúncia das práticas ultrapassadas e injustas que já uma tomada de consciência e as transformações sociais vão ajudando a neutralizar.
 
          É quando se faz necessária essa leitura que o trabalho acadêmico de Arlene Renk permite realizar: a dos testemunhos trazendo a emoção da história vivida e a visão instigante dos questionamentos sempre tão desejados quando é preciso que se façam mudanças. Porque além das qualidades inerentes a estudos de tal natureza, o seu trabalho possui o valor de se fixar nas questões brasileiras. O que, aliás, deveria ser objetivo de todos os que se habilitam a pesquisas no Brasil, quer sejam elas financiadas ou não por órgãos

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