Três
rústicas pautas desenhadas sobre um fundo claro. Na do meio, uma clave de sol e
uma clave de fá e, entre a primeira e a terceira linha superiores, do lado
esquerdo, um amanhecer que vai se tornando dia até se transformar em noite. No
centro, um minúsculo umbu. É a discreta e sugestiva capa, autoria de Caulos, de
Concerto campestre.
Como
os outros romances de Luis Antonio de Assis Brasil, exceção feita de O homem amoroso (1986), a ação se passa
em tempos passados, entre a Revolução Farroupilha e a Revolução Federalista. Um
período de paz nos campos gaúchos que fez possível a existência dessa
orquestra, a Lira Santa Cecília, na fazenda do Major Antônio Eleutério de
Fontes. Rico dono de terras e charqueada, ao perceber o imenso prazer que a
música lhe proporcionava, decidiu-se a manter os músicos e um maestro.
Ouvia-os, embevecido, compartilhando com os seus e os amigos, especialmente
convidados para os concertos festivos, sob o umbu.
Mas
os sons que o Maestro consegue tirar das inábeis mãos dos músicos e de seus
rudes instrumentos que o encantam, também encantam a sua filha Clara Vitória.
Ela se deixa prender de paixão pelo homem que é tão diferente daqueles que a
rodeiam.
Um
amor tão impossível – castas, preconceitos medeiam entre eles – quanto
impedi-lo de existir. E a sua história se apresenta cheia de fascínio porque a
arte de bem narrar é muito própria de Luiz Antonio de Assis Brasil.
Flui
mansa a narrativa de Concerto campestre
e, surpreendentes, nela se inserem informações, indicando que muitas outras
haviam sido, até então, subtraídas. Anunciam, em fim de capítulo, uma situação
de crise que irá determinar a continuação do relato sem que, no entanto,
ocorram mudanças no seu ritmo.
O
primeiro capítulo dá conta da chegada do Maestro na fazenda e de seus
progressos frente à orquestra; brevemente, de suas relações com a família do
estancieiro. Nas últimas linhas, informa, e quase nada o fizera prever, da
paixão de Clara Vitória por ele.
O
segundo capítulo retoma o dia em que o Maestro chegou para narrar dos primeiros
interesses de Clara Vitória: espiara pela fresta da cortina enquanto ele,
sentado, esperava que o fazendeiro lesse a carta que trazia.
Os
repetidos encontros e as palavras trocadas e o perceber-lhe os movimentos no
quarto ao lado vão arquitetando os sentimentos. Nas últimas linhas do segundo
capítulo, a inesperada revelação: o esgueirar-se de Clara Vitória fora de casa
para entrar no quarto do Maestro e lá ficar até de madrugada. Então, novamente,
a volta da narrativa para um momento anterior e, assim completar o que não fora
dito e, outra vez, tratar dos sucessos da orquestra para terminar o terceiro
capítulo com uma nova revelação.
São
três momentos da narrativa em que, primeiramente, ex-abrupto, é anunciado um
fato inesperado, como que um relâmpago em céu tranqüilo, levando a um retorno
no tempo e a um relato linear que o irá completar, mostrando o quanto Concerto campestre é um romance de
exímia construção. Também feita de alguma graça, de alguma crítica, do sábio
dizer dessa música que se eleva nos campos, da sedução do personagem feminino,
buscando seu destino para, então, aceitar-lhe os desígnios.
Iniciando-se,
como romancista, em 1976, com Um quarto
de légua em quadro, nesses vinte e um anos passados, Luiz Antonio de Assis
Brasil publicou mais onze romances. Cada um deles, reafirmando qualidades de
narrador sempre a se renovarem. Concerto
campestre que a L&PM de Porto Alegre acaba de lançar, bem o comprova.

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