domingo, 21 de setembro de 1997

Surpresas

           Três rústicas pautas desenhadas sobre um fundo claro. Na do meio, uma clave de sol e uma clave de fá e, entre a primeira e a terceira linha superiores, do lado esquerdo, um amanhecer que vai se tornando dia até se transformar em noite. No centro, um minúsculo umbu. É a discreta e sugestiva capa, autoria de Caulos, de Concerto campestre.

           Como os outros romances de Luis Antonio de Assis Brasil, exceção feita de O homem amoroso (1986), a ação se passa em tempos passados, entre a Revolução Farroupilha e a Revolução Federalista. Um período de paz nos campos gaúchos que fez possível a existência dessa orquestra, a Lira Santa Cecília, na fazenda do Major Antônio Eleutério de Fontes. Rico dono de terras e charqueada, ao perceber o imenso prazer que a música lhe proporcionava, decidiu-se a manter os músicos e um maestro. Ouvia-os, embevecido, compartilhando com os seus e os amigos, especialmente convidados para os concertos festivos, sob o umbu.

           Mas os sons que o Maestro consegue tirar das inábeis mãos dos músicos e de seus rudes instrumentos que o encantam, também encantam a sua filha Clara Vitória. Ela se deixa prender de paixão pelo homem que é tão diferente daqueles que a rodeiam.

           Um amor tão impossível – castas, preconceitos medeiam entre eles – quanto impedi-lo de existir. E a sua história se apresenta cheia de fascínio porque a arte de bem narrar é muito própria de Luiz Antonio de Assis Brasil.

           Flui mansa a narrativa de Concerto campestre e, surpreendentes, nela se inserem informações, indicando que muitas outras haviam sido, até então, subtraídas. Anunciam, em fim de capítulo, uma situação de crise que irá determinar a continuação do relato sem que, no entanto, ocorram mudanças no seu ritmo.

           O primeiro capítulo dá conta da chegada do Maestro na fazenda e de seus progressos frente à orquestra; brevemente, de suas relações com a família do estancieiro. Nas últimas linhas, informa, e quase nada o fizera prever, da paixão de Clara Vitória por ele.

           O segundo capítulo retoma o dia em que o Maestro chegou para narrar dos primeiros interesses de Clara Vitória: espiara pela fresta da cortina enquanto ele, sentado, esperava que o fazendeiro lesse a carta que trazia.

           Os repetidos encontros e as palavras trocadas e o perceber-lhe os movimentos no quarto ao lado vão arquitetando os sentimentos. Nas últimas linhas do segundo capítulo, a inesperada revelação: o esgueirar-se de Clara Vitória fora de casa para entrar no quarto do Maestro e lá ficar até de madrugada. Então, novamente, a volta da narrativa para um momento anterior e, assim completar o que não fora dito e, outra vez, tratar dos sucessos da orquestra para terminar o terceiro capítulo com uma nova revelação.

           São três momentos da narrativa em que, primeiramente, ex-abrupto, é anunciado um fato inesperado, como que um relâmpago em céu tranqüilo, levando a um retorno no tempo e a um relato linear que o irá completar, mostrando o quanto Concerto campestre é um romance de exímia construção. Também feita de alguma graça, de alguma crítica, do sábio dizer dessa música que se eleva nos campos, da sedução do personagem feminino, buscando seu destino para, então, aceitar-lhe os desígnios.

 
           Iniciando-se, como romancista, em 1976, com Um quarto de légua em quadro, nesses vinte e um anos passados, Luiz Antonio de Assis Brasil publicou mais onze romances. Cada um deles, reafirmando qualidades de narrador sempre a se renovarem. Concerto campestre que a L&PM de Porto Alegre acaba de lançar, bem o comprova.

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