domingo, 28 de setembro de 1997

O índio pássaro


           É um romanceiro de nossos dias. Publicado em 1984, doze anos depois teve a sua segunda edição. Um pequeno exemplar de delicada diagramação, cuja capa traz um belo desenho da autora: paisagem de ruas que se encontram, de tetos amontoados sobre os quais reinam as torres brancas da igreja.



          Romancero de sur y viento encerra treze romances, dedicados aqueles que foram a semente do que fomos. Inscrevem-se nas falas populares, resgatadas por María Cristina Casadei que os transforma em versos feitos de ritmos perfeitos e harmonias. Neles se sucedem amores e tristezas. Desenham-se as silhuetas de personagens que fizeram a História de Carmen de Patagones, breve cidade do extremo sul do Continente. A história que fica à margem dos manuais e perdura nesse contar que se renova em cada geração diante das paixões infelizes, das mortes que ceifam vidas recém começadas.

          Paixões que se querem completas como as de Mariquita e Edundo, como a de Adolfo e Isaura; sentimentos que submergem em penas de ausência e solidão; morte que busca o pescador no seu ofício, a mulher vítima do ciúme e busca na guerra o guitarrista e leva o índio insubmisso a procurá-la.

          Das vozes coletivas se alimenta María Cristina Casadei e sua ímpar veia poética faz desabrochar, outra vez, a vida. Cada verso que escreve transborda de um lirismo que, sobretudo, se enraiza nessa natureza de ventos e de mar onde se encrava Carmen de Patagones. Esboços de salgueiro, de tília, de malva, de grilos, de frutas. O vento, a lua, o sol, alguma estrela e se desenha o espaço, se instituem os ritos. De beleza triste o de Cumpa, índio-pássaro.

          A conquista está finda e o espaço indígena já vazio, Cumpa vai para o mundo dos brancos. Já nunca mais será livre. / Alguém o esvaziou por dentro. / Mudaram-lhe a paisagem. / Amordaçaram seus ossos. / E a pele foi mortalha / de um ontem que já é lembrança.

          Na imensidão da estância não é um homem livre como fora noutros tempos. Peão, sobre seus ombros cavalga / a dor de um povo inteiro. Para libertar-se, quer voar e se lança de qualquer lugar, dos montes, dos barrancos, cada lugar é uma excusa para remontar ao céu. Ninguém entende esse afã e, chamado de louco, vaga entre o mundo perdido e o mundo que não entende, desejando em insanos vôos, reconquistar a identidade que os que lhe queimaram o grito, lhe roubaram o deserto, os donos da conquista tinham violentado. E ali fica, vencido e pungente com sua dor.

          Nos versos de María Cristina Casadei que o relembram é como se muitos dos homens do Continente encontrassem ali, também, desenhado o seu destino: esse estar perdido em meio às usurpações.t
  

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