domingo, 2 de março de 1997

Das folhas.

           É um cair de folhas que faz o conto “Otoño en San Miguel”, parte de Nino y otros cuentos (Buenos Aires, Efeté, 1996), estréia literária de Oscar Tacca, um autor já há muito respeitado por ter escrito Las voces de la novela (Madrid, Gredos, 1973) e La Historia literaria (Madrid, Gredos, 1968).E é como um verdadeiro conhecedor das técnicas literárias que ele constrói o breve relato.

           No título, " Otoño en San Miguel", a notação de tempo e de lugar. Logo nas primeiras linhas, a reafirmação do tempo: Parecia que o verão não partira de todo e a presença do personagem, Dona Faustina e seu relacionamento com as folhas outonais.

         Ela as varre, as queima, as enterra. Mas o vento torna a trazê-las e Dona Faustina vai sendo vencida até ser vencida de todo, guerra perdida que o narrador informa na última pequena frase que encerra o conto: A lâmpada de Dona Faustina continuava acesa. Isto quando o vento já havia levado todas as folhas, as que haviam tapado as chácaras e os poços, as que lhe haviam tapado a casa.

         No tempo que passara prisioneira das folhas, ela vivia a sua pequena vida – e cozinhava e fazia tricô e olhava pelo vão de vidro que não ficara coberto – lembrando a primavera, lembrando o verão, a ansiar pelo inverno. Quando as folhas a liberaram, já não pode apagar a luz desnecessária.

          Talvez haja algo de Eugène Ionesco, talvez algo de Gabriel García Márquez nessas irrealidades das folhas que se acumulam hiperbolicamente, nesse conviver sereno com o que foge às regras, nesse retorno, também hiperbólico ao que era antes: o vento revolveu as folhas mortas, as sacudiu no ar, escurecendo o sol e tapou o céu, levando-as todas e deixando o povoado limpo.Mas, certamente o austero da frase despojada, o poético do fenômeno que se reitera ao longo do outono no cair sinuoso e indeciso das folhas tornam distinto o relato de Oscar Tacca.

          Distinto e fascinante no delinear insólito de uma solidão, no delinear de imagens cambiantes em que as folhas vão mudando de lugar, vão adquirindo outros tons. Mostra-se, então, um mundo fugidio pleno de certezas e revela-se que o autor de precisos textos teóricos soube enveredar pelos caminhos da invenção.

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