Mario
Benedetti escreveu “La vecina orilla” em 1976. A narrativa fez parte do volume Cuentos da Alianza Editorial e do
volume Cuentos Completos da Coleção
Alianza Tres. Em 1994, na mesma editora, deu título ao volume da coleção
Alianza Cien que engloba outros quatro relatos: “El presupuesto”, “Se acabó la
rabia”, “El fin de la disnea” e “Requien com tostadas”, respectivamente de
1949, 1956, 1965, 1966.
Entre
“La vecina orilla” e “El presupuesto”, o mais antigo desses relatos, medeiam
quase trinta anos e o terem sido publicados no mesmo volume permitem, mais
facilmente, um estudo comparativo sobre dois momentos: o da gênese do texto e o
do espaço em que veio à luz. Uma aproximação que exemplifica as palavras de
Hortensia Campanella, no lembrete do Diccionario
de autores iberoamericanos (Madrid, 1982), a ele dedicado: uma obra sempre atenta à realidade e um crescente
compromisso político o levaram a se converter, primeiro, numa testemunha da
alienação urbana em seu país e logo em porta-voz da resistência e da opressão.
“El
presupuesto” (“O ordenado”) foi escrito quando Mario Benedetti tinha vinte e
nove anos e o Uruguai ainda era aquela Suissa encravada no Continente; o país
de que fala Marcel Niedergang (Les 20
Amériques latines, Paris, Seuil, 1969) cuja imagem, talvez, em parte,
certa, ele fixa ao descrever o fim de tarde em Montevidéu quando as pessoas freqüentavam
confeitarias e circulavam diante das luxuosas vitrinas. No mundo ficcional, trata-se, apenas, de um ordenado há muitos
anos sem aumento e das tentativas ingênuas de reverter tal situação. Testemunho da alienação urbana, Mario
Benedetti, com realismo e humor, aponta as incongruências desse simplório
círculo vicioso da burocracia.
Mas
o país se transforma. Custo de vida, desemprego, inflação, crise no mercado da
carne e da lã e as clássicas medidas “salvadoras”(desvalorização da moeda,
bloqueio dos salários), conduzem a uma agitação popular que é violentamente
reprimida. Porta-voz da resistência e da
opressão, Mario Benedetti já com cinqüenta e seis anos, registra, ainda com
humor, a história de uma realidade que ficaria talvez escondida se a ficção não
a tornasse pública.
“La vecina orilla” é a história de uma
fuga. Recém-saído da cadeia, um jovem parte
para Buenos Aires, procurando escapar da repressão. As experiências se sucedem.
São encontros e
reencontros e um novo mal entendido o leva, outra vez, a se esconder.Fôra preso
porque no aniversário de morte de uma estudante assassinada pela repressão,
colocara, como todos os seus colegas, uma rosa vermelha na mesa do professor.
Uma provocação poética, ele diz, mas que irritou o Poder. Como autor, embora
não o fosse, da idéia, é preso e preso passa os trinta e quatro dias seguintes.
Menor de idade, não sofreu tortura, foi apenas golpeado, apenas levado para assistir
as sessões vividas pelos outros. Em Buenos Aires procurou uma pensão, procurou
um trabalho e o acaso o fez encontrar outros uruguaios em situação igual ou
semelhante a sua. E, assim, nos diálogos que entre eles se estabelecem, surgem
as imagens da repressão em Montevidéu e aquela que em Buenos Aires se mostra
nos tiroteios e nas prisões feitas em via pública.
Em
“El presupuesto” e em “La vecina orilla” há um mesmo tom que se mantém – algo
de indiferente, algo de descompromissado, algo passível de riso – conduzindo o
relato. Diferentes são os motivos que regem os personagens. No conto escrito em
1949 é a busca de uma vantagem material. Em “La vecina orilla” o universo se
amplia, entremeando às questões de amor, às opções individuais o desejo de
liberdade que se mostra tão intenso quanto o abuso do Poder destruindo vidas.
São
textos impregnados da realidade do país e, alimentado por ela. O escritor registra
momentos que fazem parte dessa trajetória de descaminhos tão usuais e repetidos
no Continente.
Daí
o ter sido sua obra censurada. Daí o ter sido obrigado a viver no exílio.

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