domingo, 24 de novembro de 1996

Os retratos

          É um pequeno livro, Prêmio Casa de Las Américas: Alguien tiene que llorar. E o primeiro conto que lhe dá o título, um tecer de vozes, é feito de quatro monólogos que se intercalam para falar de Maritza.        

          O primeiro é o de Daniel que, a partir de uma fotografia, apresenta as donas das demais vozes e aquela sobre a qual serão ditas as palavras: um grupo de adolescentes, Alina, Lázara, Caridad e Maritza, imobilizado pela imagem que ficou. Orgulhosa de sua feminilidade, uma; tímida e medrosa, a outra; plena de uma beleza imperfeita, a terceira.Sobressaindo-se das demais, presença agressiva, a que fora marcada pelo destino ou pela vida.

          De suas vozes emerge um universo feminino esboçando caminhos possíveis: o do casamento, o da busca do amor renovado, o da solidão, o da morte.

          E a morte dando origem a cada uma das narrativas e, a partir delas, aos retratos de mulher: Alina, gorda e realizada mãe de família; Caridad, bela e sem filhos, vivendo a troca de amores; Lázara, miúda e feia, incapaz na sua insegurança de conservar o interesse masculino e Maritza, de rosto perfeito e misterioso, talvez marginal, talvez incompreendida.

          Retratos incompletos que sugerem amores, desacertos, preconceitos, certezas e dúvidas. Sobretudo quando Maritza é delineada.A marca do tempo na foto torna transparentes os seus olhos como se já então, tivesse sido marcada para morrer, diz Daniel. E, anos passados, a encontraram afogada na banheira, o corpo virado, a garrafa quase vazia.Havia sido bela e sagaz. Confidente compreensiva. Bondosa e despojada. Tinha, ainda, o desprezo pelas convenções de quem, para ver o mundo, inova caminhos. E, ao não encontrá-los, procura a morte. Sem filhos, sem marido e com sua patologia. Para que deseja viver? pergunta, então, Alina.

          Alina que ao ser criada para constituir família, não imagina que alguém dela possa prescindir. Na sua convicção de que só a família completa a mulher, não lhe é possível entender a vida das amigas, uma a casar várias vezes, a outra solitária sem o desejar e Maritza um ser anormal, como presume.

          Presunção que, ao se cruzar com o que pensam e com o que sentem Lázara, Caridad e Daniel, institui uma ambigüidade. Ora são insinuações, ora silêncios, ora explicações e, desconhecido, permanece o querer de Maritza e indefinida, a sua opção. Nesse seu drama, percebido pelos demais e no cotidiano drama das três amigas da vida inteira, há um refletir sobre o ser feminino que se expressa em interrogações. Aquela contida no texto da escritora mexicana Rosario Castellanos que aparece em epígrafe: Deve haver outra maneira que não se chame Safo nem Mêsssalina nem Maria Egipciaca nem Madalena nem Clemencia Isaura.

          E as outras que Marilyn Bobes, nascida em La Habana no ano de 1955, astuciosamente, dilui nos quatro monólogos de seu conto.

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