domingo, 26 de novembro de 1995

Sob o sol


A origem de todos os meus relatos é sempre uma imagem simples. Todo o argumento de “La siesta del martes”, que considero meu melhor conto, surgiu da visão de uma mulher e uma menina vestidas de negro, com um guarda-chuva negro, caminhando sob o sol abrasador de um povoado deserto.Gabriel García Márquez.

 

          Já havia publicado vários contos e, em 1955, o romance La hojarasca, quando nos anos em que a Colômbia era agitada por violentas perseguições políticas, cedendo à pressão dos amigos escreve El coronel no tiene quien le escriba, La mala hora, e Los funerales de mamá grande, uma ficção inspirada na realidade de seu país.

          Depois, uma longa reflexão, como ele diz, o levaram as suas idéias literárias iniciais – todo bom romance deve ser uma transposição poética da realidade e em 1967 Gabriel García Márquez publica Cien años de soledad.

          Los funerales de mamá grande, de 1962, no dizer de Mario Vargas Llosa em Historia de un deicídio, um dos mais importantes livros sobre Gabriel García Márquez, se constitui uma ponte entre a obra anterior, inscrita na realidade objetiva e a posterior que se nutre do imaginário.

          Os contos que desse livro fazem parte foram escritos em datas diferentes e em diferentes espaços e assim, principalmente, no que diz respeito às relações entre o real objetivo e o imaginário, não possuem uma unidade.

          “La siesta del martes”, o primeiro deles, extremamente sóbrio quanto à linguagem e quanto à construção, embora distante da idéia primeira que se fazia Gabriel García Márquez do texto ficcional.

          Na longa entrevista concedida a Fernández Baso, origem do livro Una conversación infinita, ele diz ser esse o seu melhor conto, nascido da figura da mulher que, acompanhada por uma menina caminhava, protegendo-se do sol abrasador  com o guarda chuva preto, pelas ruas desertas de um povoado.

          No seu relato, a proteção do guarda chuva é recusada pela mulher ao sair da sacristia onde fora buscar a chave do cemitério. Antes de descer do trem que a levara até o povoado havia dito à menina que não aceitasse nem água ainda que estivesse com muita sede. Prenuncia, assim as relações entre elas e o povoado pois, é sabido, em terreno inimigo nada se come, nada se bebe, nada se aceita. E, para ambas era terreno inimigo aquele em que pisavam. Nele, não apenas fora baleado o homem a quem iriam homenagear no cemitério com o pobre ramo de flores envolto no jornal como morrera com a pecha de ladrão: Carlos Centeno Ayala. Único filho homem, ganhava a vida como boxeador, sempre vítima dos golpes. E desse sofrimento lhe vinha o dinheiro para comer. Ladrão – filho, nunca roubes nada que faça falta a alguém para comer - pagara com a vida a tentativa de arrombar uma porta.

          Levar-lhe flores era, amorosamente, absolvê-lo. E, caminhar sob o sol, ignorar ou enfrentar os olhares maldosos e curiosos estava, para elas, duas mulheres de luto e com os olhos secos, certamente muito aquém da grande dor que as habitava e que o texto não alude.

          Como se não fosse de sofrimento, de perda, de pobreza esse itinerário que para o leitor se interrompe quando o narrador se limita a informar: Pegou a menina pela mão e saiu para a rua.

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