domingo, 24 de dezembro de 1995

Os pardais. 1

          A república havia apenas se instalado e o Dr. Olimpio, Embaixador do Brasil em Viena, sob a neve de um mês de março, diz de suas intenções de levar pardais para o Rio Grande do Sul: Os pardais vienenses dão um chique à paisagem, um requinte [...]. E sob o som da Valsa dos Patinadores, toma chá e degusta uma fatia da torta Sacher num ritual diferente daquele que sempre havia sido o seu lá nas suas terras do sul do país o quê parecia imperdoável para Silva Jardim. Também personagem de Luiz Antonio de Assis Brasil, neste Pedra da memória (Mercado Aberto, 1994), ele observa, impiedoso: E agora você bebe chá e come torta... Você, um gaúcho macho.O Dr. Olimpio considera que o amigo está um tanto quanto amargo porque as tarefas que lhe concernem na Embaixada - isto de carimbar passaportes e frequentar bailes -  o entedia. E, saber que no Brasil, se luta pelos despojos da República o faz decidir-se a voltar.
         
          Enquanto sua mulher dá ordens para que sejam engradados os móveis e empacotada a baixela, a louça e a roupa de cama, ele manda fazer uma gaiola de dois metros por dois, cúbica, para conter uma centena de pardais. Com o imprevisto de ter um dono, eles fazem a longa viagem por terra e por mar até a liberdade dos campos que irão invadir e povoar, sem contudo, modificar-lhes os contornos em revoadas pelos campos, em ninhos pelas praças.

          O narrador de Pedra da memória diz que alegravam as cidades com seu canto altamente europeu. Presença que seu personagem quer transplantar para que aqueles índios habitantes dos pampas se tornem mais civilizados.
         
          Porque, na confeitaria iluminada, onde se misturam os sons da música de Straus e o tilintar das porcelanas, ele pode se permitir divagações: quando comparo isto com a selvageria dos nossos hábitos, com a ausência dos pardais, com os nossos barbudos revolucionários gaúchos, com as degolas, com os combates nas coxilhas empapadas de sangue...

          Mas os pequenos pássaros migrados não foram para os da terra, tão inocentes pois não souberam ver neles as propaladas qualidades. Assim, houve quem tentasse matá-los a tiros de chumbo, alegando que destruíam as colheitas e houve quem dissesse serem uma praga, a praga dos pardais.

          Mas, dono de muitas terras e de todos esses direitos e poderes que a riqueza outorga, o Dr. Olimpio podia, também atribuir-se razões: Um dia me agradecerão de joelhos, ao comparar os pardais com essas rudes aves do pampa....

          Foi cognominado, ele um republicano, o Rei dos pardais.

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