No banco da praça, Armando e
Geraldo conversam. No outro lado, de uma das ruas, surge um grupo de rapazes, claros e fortes, com uniforme de escoteiro.
Marcham num alinhamento sem defeito e atirando as pernas para a frente e para
cima. Avançam em passo de ganso, em fila de três. Sob a ordem de comando e sob
a bandeira de símbolo alienígena repetem com voz forte a saudação que o braço
acompanha.
Uma cena que repete outras
já vistas por Geraldo no cinema: multidões
de soldados com capacete de aço, marchando naquele mesmo passo.
Na praça da pequena cidade,
Armando recém havia dito, a seu interlocutor: Felizmente o pesadelo passou. Nos dias que correm tais fatos não são
mais possíveis. Referia-se ao episódio dos Muchers, um episódio de fanatismo. Mas, não percebe que esses jovens, que avançam
com ímpeto marcial, de cenho carregado,
batendo os saltos dos sapatos grossos,
estão a executar em terras do Brasil rituais submissos às mesmas idéias e convicções que, belicamente, querem
ser impostas no Velho Mundo. Personagens e ações que estão em acorde com o
cenário que parecia uma cidade do Reno,
extraviada em terra americana.
Para Geraldo, vindo do norte
do país, era como ter cruzado os oceanos,
era como estar longe da pátria. Diante de seus olhos, moças loiras, a
austeridade das fachadas, o gótico da igreja. Mais do que tudo, dominando, uma
visão de mundo, perfeitamente definida, sintetizada no título do romance: Um rio imita o Reno.
Publicado em 1943, (a nona
edição é de 1987 da José Olympio) nele Viana Moog delineia esse Brasil do
extremo sul, o país dos imigrantes que era, para muitos, desconhecido.
Chegados no século anterior
em busca de possibilidades de vida, o quê lhes era recusado no Velho Mundo, ainda
nele tinham suas raízes e não ignoravam o conflito em que sua antiga pátria
mergulhava. Mas as notícias que então chegavam, eram acenos de vitórias,
reafirmações de algo em que, firmemente acreditavam.
Estranho a tais verdades,
para Geraldo restavam apenas as imagens. As que atravessavam os mares registrando
a guerra – multidões compactas,
automáticas, de braço levantado. Multidões ululantes; e as que tinha diante
dos olhos, na praça de Blumental: vibrante,
estentório, o grupo de jovens lhes repete o gesto e saúda em uníssono.
E grasnam os pardais. Em
vão, Geraldo procura distinguir no matraquear
infernal, no ruído ensurdecedor
que eles fazem, como se quizessem atordoar,
apossar-se do ninho dos outros, um outro som, uma melodia, um chilreio, um pipio de outro pássaro. Então, ele pensa que os demais pássaros cantores
têm que imigrar. O canário, o bem-te-vi,
o sabiá, o pintassilgo, a cotovia, os artistas da selva não podem cantar onde
há pardais.

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