domingo, 12 de novembro de 1995

A menina Nini

          Seis capítulos, chamados por  Luiz Antonio de Assis Brasil de “O romance”  se entremeiam aos monólogos e narrativas em terceira pessoa para construir  Os senhores do século, terceiro volume da série Um castelo no pampa. Relatam os últimos itinerários do Doutor Olímpio caminhando para o declínio. Parlamentara, discutira, negociara, tergiversara, buscando conduzir a história do país num universo masculino feito de ambições, jogo de poder e de palavras. Nele, a mulher permanece alheia ou a se enclausurar nos seus princípios e infelicidades ou a se deixar prender no exercício da religião. Se desabrocha é porque assim lhe é permitido: Ah... tudo é bem organizado, neste mundo: um homem admirável tem mulheres espantosas. Ele dá a elas a possibilidade de desenvolverem até o mais alto grau todas as potencialidades nobres de seu sexo, as quais perante um bronco qualquer ficariam esquecidas, conclui o Doutor Olímpio, talvez com sabedoria, nesse espaço e nesse momento em que vive.

          Menina Nini, filha de conde, submetida ao casamento, como todas. E como todas ficou até o instante em que entendeu, muito além da patriarcal ordem estabelecida, que a vida poderia oferecer muito mais . Três vezes foi que se encontrou com Olímpio, ocasiões em que mal trocaram algumas palavras. Mas, foi-lhe suficiente para ter uma iluminação tão repentina e forte que a estonteou por sua verdade: um dia aquele homem seria seu.

          Assim, como soubera, algum tempo antes, que seria pedida em casamento e aceitaria o pedido, mais tarde, a mulher que se tornara iria  compreender que o homem que desejava era outro. E se dispôs a uma espera alimentada de pequenos nadas enquanto ela, filha de uma devota e de um nobre, conhecedora de todos os rituais de sua classe, foi se preparando para ser, apenas, feliz como o fora a amante de seu pai.Vislumbrava um futuro que se perdia no tempo  não se fixando em  nenhum lugar. Um futuro que não se deixava entrever e para o qual, no entanto, ela se preparava: as mudanças na casa – cortinas novas, novos tons nas paredes, outra disposição para os móveis, plantas a se expandir no jardim  - e seus hábitos sociais nos quais se incluía o aprendizado do francês  expressavam  o seu desejo de que um dia fosse não apenas uma sequência do outro, mas um acréscimo da esperança.  Esperança que lhe manteve a boniteza e no uso do  carmim nas faces  e brincos e anel,  o desejo de ser bela. Certa de que sua espera não será em vão, ao saber que o momento do reencontroo se aproxima, compreende que tudo marchava conforme imaginara.

          E, assim foi. Viúva e rica opta pela sua verdade e se dispõe, por amor, a viver somente para esse amor.

          Nesse lavrar de seu destino, a ignorar sempre os outros mundos que lhe estavam próximos, lento e espontâneo se faz um esplêndido tipo feminino, fremente de vida. E, assim,  a menina Nini como era chamada,  Urânia de seu verdadeiro nome,  irrompe nas páginas de Os senhores do século para dar vida a essas outras figuras que mornas e descoloridas dão conta de conchavos e dos homens dominados pela retórica e pela ânsia de domínio.

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