Talvez até fosse o caso de
aceitar como definitivo esse “modelo” de político brasileiro que traçou Joaquim
Manuel de Macedo há cento e quarenta anos atrás no seu romance A carteira de meu tio. Não, porém, sem
considerar verdadeiramente tragicômica essa permanência imutável de um estado
de espírito predominando nas soient disants elites responsáveis pelos destinos do país. Fiel a seu intuito de
divulgar o autor nacional, a José Olympio acaba de lançar esse romance cuja
primeira edição é de 1855. Assim, não apenas torna possível o acesso a uma obra
da literatura brasileira fadada ao esquecimento como dá ensejo a tristes e
inegáveis e necessárias constatações.
O narrador – alguém que não
precisa ter nome porque basta ser o sobrinho do seu tio – com absoluta
franqueza começa o relato informando das suas ambições: ser político, na verdade,
um excelente meio de vida pois a pátria deve
pagar bem a quem quer fazer o enorme
sacrifício de viver à custa dela.
O tio, sua fonte de renda,
não o dissuade do projeto mas, exige que antes faça uma viagem pelo Brasil para
conhecê-lo e evitar o usual costume de tudo copiar das instituições europeias.
Pois elas regiam a realidade brasileira que, no entanto, permanecia bem
distante daquela que, no entender dos dirigentes, deveria imitar.
É essa viagem que ele
registra, seguindo à risca o pedido do tio: comparar os artigos da Constituição
do Império do Brasil de 25 de março de 1824, um pequeno livro que recebe antes
de partir, com o que se passa no país, para se tornar ciente e, por experiência
própria, de que a Constituição promulgada nunca fora, até então, cumprida.
A viagem é feita no passo
lento do cavalo ruço-queimado que o tio lhe emprestou e dura pouco,
interrompida pela tarefa que ele se atribuiu diante das circunstâncias
adversas: tirar da cadeia o casual companheiro de estrada, preso por ter-se
defendido de uma agressão, originada pela falta de argumentos numa discussão sobre
as instituições brasileiras.
Razão suficiente para
levá-lo a refletir sobre a arbitrariedade e a maneira como é aplicada a
justiça.
Antes, em longos monólogos e
diálogos que entretinham o cavalgar, já havia constatado a precariedade nem
sempre honrada da administração, a acomodação daqueles que exercem cargos
públicos e não querem perdê-lo, a má fé nos enunciados dos projetos do governo,
o rosário dos males que é a vida do pobre, os privilégios que sempre acompanham
os ricos, as vantagens da conciliação partidária, eufemismo para as vantajosas
mudanças ideológicas.
E sempre se repetindo, a
observação dessa incoerência constante que se ergue entre o que está expresso
nas letras da Lei e a sua absoluta inoperância no viver cotidiano.
Na verdade, se trata de uma
viagem pelas mazelas do país que Joaquim Manuel de Macedo desejou apontar,
levado, quem sabe, pela ingênua esperança de ajudar a sua erradicação.
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