domingo, 19 de novembro de 1995

A cadeira


Nesta minha terra quanto mais comprido se tem o rabo, melhor se escapa da ratoeira, e mais audácia e altas pretensões se apresenta.Cyro Martins.

 
          Publicado pela primeira vez em 1942, cinqüenta anos depois aparecia a sua quinta edição pela Movimento de Porto Alegre: Um menino vai para o colégio, belo momento narrativo entre os muitos que escreveu Cyro Martins.

          Como o título bem o indica, se trata de um desenraizar-se para ir ao encontro de um novo universo. A mãe chora. Carlos, nos seus onze anos, vislumbra imagens da cidade grande mas o seu destino quem decide é o pai dizendo e repetindo para a mulher: Então tu entendes que eu vou permitir que o menino se crie aqui, no meio das vacas e dos cavalos para nunca passar de um pafuera? Não senhora, ele não há de ser burro como o pai! Quero que aprenda onde tem o nariz, nem que eu gaste tudo o que tenho!Definitivas palavras pronunciadas numa convicção um tanto ingênua que lhe confere esse misto de autoridade e de ternura com que se relaciona com os que lhe estão próximos.

          Ameaça bater no filho se repetir a implicância com o cachorro mas, sem pestanejar, sacrifica o animal quando percebe estar o filho por ele ameaçado; perde a calma ao ver seus argumentos contrariados e se transforma: o rosto fica enérgico, os gestos amplos até bater na mesa fazendo vibrar a louça. Mas a ausência da mulher, chorando no quarto lhe amaina os ânimos e logo busca a reconciliação.

          Assim, o medo que eventualmente, poderia provocar – a mulher enxuga as lágrimas e aceita que o filho vá para o colégio na cidade; o filho se deixa levar, segurando o choro; e a negra Ricarda, evitando os gritos do patrão, leva o chá de laranjeira para a patroa, às escondidas – orienta o respeito que lhe é devido.

          Um respeito materializado na cadeira em que na sua condição de dono da casa e chefe da família, ele se senta à mesa. Ninguém a arreda de seu lugar e ali fica, impecavelmente cuidada: uma banca apoltronada, de encosto de sola e assento de couro de vaca, peludo. Pesava muito e embaixo do assento movediço que se parecia com uma tampa, tinha um pequeno depósito de ferramentas que devia permanecer intocado, sob pena de que o mundo viesse abaixo com os gritos de seu dono. Ficava sempre na cabeceira da mesa, atarrancada e presumida e Ricarda lidava com ela com muito cuidado, como se ali estivesse instalado o patrão.

          E o patrão, fazendeiro, cuida de suas reses. Virando político, de seus eleitores.

          Ignorando tantas razões de respeito, só o Felpudo despreza as regras ocupando-lhe a cadeira nas suas sestas modorrentas de gato que sabia ser tolice não aproveitar, ali, os raios de sol que, no inverno, a amornavam.

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