Nesta minha terra quanto mais comprido se tem o rabo, melhor se escapa
da ratoeira, e mais audácia e altas pretensões se apresenta.Cyro Martins.
Publicado pela primeira vez
em 1942, cinqüenta anos depois aparecia a sua quinta edição pela Movimento de
Porto Alegre: Um menino vai para o
colégio, belo momento narrativo entre os muitos que escreveu Cyro Martins.

Como o título bem o indica,
se trata de um desenraizar-se para ir ao encontro de um novo universo. A mãe
chora. Carlos, nos seus onze anos, vislumbra imagens da cidade grande mas o seu
destino quem decide é o pai dizendo e repetindo para a mulher: Então tu entendes que eu vou permitir que o
menino se crie aqui, no meio das vacas e dos cavalos para nunca passar de um
pafuera? Não senhora, ele não há de ser burro como o pai! Quero que aprenda
onde tem o nariz, nem que eu gaste tudo o que tenho!Definitivas palavras
pronunciadas numa convicção um tanto ingênua que lhe confere esse misto de
autoridade e de ternura com que se relaciona com os que lhe estão próximos.
Ameaça bater no filho se
repetir a implicância com o cachorro mas, sem pestanejar, sacrifica o animal
quando percebe estar o filho por ele ameaçado; perde a calma ao ver seus
argumentos contrariados e se transforma: o rosto fica enérgico, os gestos
amplos até bater na mesa fazendo vibrar
a louça. Mas a ausência da mulher,
chorando no quarto lhe amaina os ânimos e logo busca a reconciliação.
Assim, o medo que
eventualmente, poderia provocar – a mulher enxuga as lágrimas e aceita que o
filho vá para o colégio na cidade; o filho se deixa levar, segurando o choro; e
a negra Ricarda, evitando os gritos do patrão, leva o chá de laranjeira para a
patroa, às escondidas – orienta o respeito que lhe é devido.
Um respeito materializado na
cadeira em que na sua condição de dono da casa e chefe da família, ele se senta
à mesa. Ninguém a arreda de seu lugar e ali fica, impecavelmente cuidada: uma banca apoltronada, de encosto de sola e
assento de couro de vaca, peludo. Pesava muito e embaixo do assento
movediço que se parecia com uma tampa, tinha um pequeno depósito de ferramentas
que devia permanecer intocado, sob pena de que o mundo viesse abaixo com os
gritos de seu dono. Ficava sempre na cabeceira da mesa, atarrancada e presumida e Ricarda lidava com ela com muito cuidado,
como se ali estivesse instalado o patrão.
E o patrão, fazendeiro,
cuida de suas reses. Virando político, de seus eleitores.
Ignorando tantas razões de
respeito, só o Felpudo despreza as regras ocupando-lhe a cadeira nas suas
sestas modorrentas de gato que sabia ser tolice não aproveitar, ali, os raios
de sol que, no inverno, a amornavam.
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