Um poema de Memorial de Isla Negra começa com um
peremptório e certamente polêmico verso: Que
bom é todo o mundo! Então, Pablo
Neruda enumera nomes de pessoas boas e torna quase lei essa bondade que ele
atribui a todos, embora lhe ocorra que, talvez, somente tenha lhe tocado
conviver com o bom grão ou com aqueles
que, impenetráveis, não se deixam ver na sua bondade.
Diante de irrefutáveis
provas de atos que possam contradizer suas certezas, Pablo Neruda continua a
acreditar na qualidade que é negada por aquele que comete um crime ou que
insulta os outros. Daí, ele concluir que há
muito que arrumar neste mundo, / para provar que todos somos bons / sem ser
preciso se esforçar: não podemos / transformar a bondade em pugilato. / Assim
ficariam despovoadas / as cidades, onde / cada janela esconde com cuidado / os
olhos que nos buscam e não vemos.
Esse mesmo olhar de Pablo
Neruda que percebe o segredo dos homens, que explica a bondade do criminoso
como uma avareza do sentimento não entregue irá se pousar no inanimado e
descobrir-lhe o frêmito escondido.
Como um ser mítico, o poeta
descobre a vida nesse suceder de riquezas que se exibe no mercado e como que um
detentor de poderes mágicos, pela palavra faz com que renasçam em tons, em
perfumes.
Pablo Neruda sugere e
insinua ao descrever esse micro universo de legumes e de frutas numa retórica
extremamente afetiva. Emergem do prosaico anonimato do mercado como seres
especiais não somente possuidores de cor e de aroma como de uma hierarquia que
lhes é concedida por elementos antropomórficos. Assim, é caracterizado o
queijo: Não veio aqui só para ser vendido: / veio para mostrar o dom de sua
matéria, / sua compacta inocência, / o espessor materno de sua geologia. Assim, é caracterizado
o vinho, sempre beligerante, áspero e vermelho, ou a apressada alface, o risonho tomate, a pálida maçã.
No âmago do homem que se
revela para o poeta pura polpa de fruta, na brevidade dessas pequenas
existências - e a cenoura, e o nabo, e a menta, e a batata - o poeta encontra
uma fonte de inspiração que se inscreve na essência dos seres.
É um poetar que encontra
desconhecidos tesouros na alma dos homens e algo de humano nas frutas, nos
legumes, nos queijos e nos vinhos que se exibem no cotidiano do mercado.
Feito de verdades ou de
invenções, talvez sejam versos que testemunhem além dos limites da razão. Ou,
apenas mostrem o que escondem os homens nos seus invólucros humanos e o que não
é percebido nos frutos da natureza.




