Em 1839, Cirilo Villaverde
publicou o primeiro tomo de Cecilia
Valdés, considerado o melhor romance de costumes da literatura cubana. O
segundo tomo viria à luz quarenta anos mais tarde quando foi, então, terminado.
No prólogo que antecede a obra, Cirilo Villaverde esclarece as razões que
determinaram a passagem desse lapso de tempo tão grande entre a composição dos
dois tomos e como, finalmente, conseguiu levar a cabo a segunda parte o que
impediu não se ter mantido na obra nem o mesmo ritmo narrativo, nem o mesmo
nível lingüístico.
Consciente disso e de que o
sombrio dos quadros pudesse dar a impressão de que ele, fantasiosamente, se
afastou da realidade do país, acredita dever uma explicação ao leitor. Então,
afirma que, antes de mais nada, é um escritor realista e que em Cecilia Valdés procurou fugir dos personagens
e cenas inverossímeis (lembra das obras mais representativas da primeira ficção
romântica, Atala, Paul et Virginie) para copiar,
“d’après nature”, aquilo que desejava fixar: os trajes, as falas, os
caracteres, as situações do homem cubano.
E, verdadeiramente foi o que
fez. Tipos populares, cenas, costumes próprios de uma Havana cronologicamente
encerrada entre 1812 e 1831 são inscritos num romance que se inicia no mais
acabado modelo romântico onde não faltam nem o mistério, nem o drama: um homem
que faz uma visita a desoras e quer ficar incógnito, uma criança arrancada dos braços
de sua mãe, o desenho de meia lua que lhe é feito no ombro antes de ser
entregue à caridade das religiosas, o desepero materno.
Do segredo instaurado a respeito da verdadeira identidade da criança, se origina o drama que nutrirá a ficção, um estereótipo de amores, de sedução, de tragédia ao qual se acrescentam as belas cenas que documentam o viver de uma sociedade ferozmente imbuída de racismo.
E se o racismo e tudo o mais
que dele advém foi a causa da desgraça de Cecilia Valdés, como já o fora também
de sua mãe, ao ultrapassar as fronteiras da ficção, se constituiu um testemunho
que procura, não apenas levar à emoção, mas, com certeza, também, a uma tomada
de consciência.
Se considerado em relação à
História Literária é evidente que Cecilia
Valdés é uma obra estruturada de acordo com o que ordenam os cânones
literários vigentes da época. Ao preferir, no entanto, o real ao fantasioso e
ao questionar as posições ideológicas reinantes, as normas forâneas foram
esquecidas muitas vezes, diante daquilo que mais importava ao escritor:
representar um mundo sem as suas máscaras.
Assim, o primeiro capítulo é
disso uma síntese: não apenas é construído a partir de chavões românticos como
se constitui uma amostra perfeita desse relacionamento que vigora no Continente
entre as classes e que determinou a vida na Colônia.
Uma dicotomia que
permanecerá constante ao longo do romance apesar do tempo que se passou entre o
início e o término da obra.
Longe de Cuba, no seu exílio
norte-americano, Cirilo Villaverde se manteve imune a quaisquer influências,
permanecendo fiel a sua própria verdade.
Muito mais do que aquelas que chegam de longe, elas estão perto do Continente.
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