domingo, 20 de março de 1994

Irredutíveis fronteiras

          Porque se os outros países his­pano-americanos são, para nós inacessíveis [...], no caso do Brasil - que precisa de traduto­res - a inacessibilidade adquire um caráter definitivo e total.É o que diz Rosario Castellanos num pequeno livro publicado em 1979 no México: Mujer que sabe latin... título que é certamente parte de um provérbio de antanho - mulher que sabe latim, não tem marido, nem tem bom fim - mas que, sem dúvida, continua sendo verdadeiro e normalizador em muitas latitudes ou, de uma forma ou de outra, em quase to­das.
          Rosario Castellanos é romancista. Neste seu livro, porém, congrega pequenos textos sobre mulheres. Na maioria, norte-americanas, algumas francesas, umas poucas la­tino-americanas. Entre elas Clarice Lispector a propósito de seu livro A paixão segundo G.H. traduzido para o espanhol. Algumas linhas a apresentam como uma das grandes narradoras da língua portuguesa e fazem referência a seus livros. Seguem-se os comentários sobre este que foi tra­duzido no México, comentários que se atêem somente ao texto em questão. No início de seu artigo, Rosario Castellanos já observara que um livro, um autor genial, não surgem no va­zio, mas num contexto formado tanto pela tradição herdada quanto pelas obras que lhe são contemporâneas. E o mundo de Clarice Lispector, a articulista desconhece como desconhece os demais mundos do Continente.
          Para que tal observação não seja considerada como uma crítica, se torna oportuno lembrar que, no mesmo ano em que era publicado Mujer que sabe latin..., Octavio Paz num programa de televisão mexicana, refletia sobre a veiculação de notícias na América Latina. Dependendo das agências noticiosas do Pri­meiro Mundo, os países do Continente só conseguem saber dos outros através da ótica daqueles que detém o monopólio das informações.

          Filtradas ou censuradas ou ignoradas, as no­tícias sobre fatos do Continente são preteridas pelas que in­formam sobre sucessos do Primeiro Mundo.

          E assim como só se acredita ter importância o que no Primeiro Mundo acontece, também na literatura somente tem valor o que no Primeiro Mundo é produzido pois, na sua grande maioria, é esta convicção colonialista que norteia, quase sempre, a política editorial do Continente. E que irá explicar que dos vinte e três artigos que formam Mujer que sabe latin... apenas três versem sobre escritoras da América hispânica: Maria Luiza Bombal, do Chile; Silvina Ocampo, da Argentina e Ulalume Gonzalez de Leon, uruguaia, mas vivendo no México.
 
          Ou seja, não é o saber latim que levará a es­critora latino-americana ao ostracismo, originado da falta de leitores. Mas também o se expressar em espaços historicamente induzidos ao isolamento.

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