O autor escreve
brilhantemente, tanto no que se refere à elegância da frase quanto nas notações
narrativas e no desenho dos caracteres; soube estruturar solidamente a intriga
no desenvolvimento dos episódios e no harmonioso equilíbrio dos focos
narrativos; inseriu o drama psicológico num largo contexto de história e
paisagem, costumes e tipos de civilização. Assim é definido por Wilson
Martins As virtudes da casa, um dos
mais belos romances da literatura brasileira.Publicado no ano de 1985, em
Porto Alegre, é o quinto livro de Luiz Antonio de Assis Brasil que nele reafirma
a maestria de romancista já revelada em Manhã
transfigurada e que emerge, fascinante, em cada seqüência de As virtudes da casa.
Os seis primeiros capítulos
tecem o encontro de Isabel com Felicien, naturalista francês chegado ao extremo
sul do país em busca de borboletas e plantas.Filha do dono da fazenda que
hospeda o forasteiro, obediente ao pai que partira para a guerra - Para o francês, o melhor - ela se esmera como anfitriã.
E o bastante foi o anúncio
de sua chegada para se deixar envolver por emoções novas. No serão habitual em
que borda as peças de seu enxoval, não se concentra nos pontos, o pensamento
querendo se libertar das imagens repetidas a cada noite: o noivo, o casamento,
a vida que levaria. Interrompe o bordado e seu olhar se desprende da agulha, da
linha, do risco. Quando segue as tábuas do chão até encontrar o relógio e subir
por ele até o vidro e se ver refletida mal sabe que estava a romper com o
ritual da casa.
Assim como nessa noite que
precede a chegada do forasteiro infringe algo ao interromper o bordado e se
contemplar com ousadia, aos poucos, irá erguendo, cada vez mais o olhar.
No encontro com Felicien não
ousa fitar-lhe o rosto e apenas pousa os olhos na lapela da casaca, nos botões.
Somente tem a coragem de erguer os olhos quando pensa que o pai poderia se
agastar se não tratasse bem de seu hóspede.
Devagar, fita a lapela, a
gravata, a camisa e, só então, o rosto. Muito rápido, o suficiente para perceber
os olhos azuis no rosto cor de ouro, cor de mel e, os torna a voltar para o
chão. E, logo, é vencida pela tentação de encarar outra vez o visitante e poder
olhar o nariz, os bigodes, a boca.
E, escutando as descrições e
as razões vai perdendo o medo de olhar para o seu rosto embora evite buscar-lhe
os olhos. Depois os passeios, as confidências, os gestos contidos aproximando-a
do forasteiro numa sucessão emocionada de riscos que a impede de toda reflexão.
Mas a repentina advertência
- da mãe, do irmão, da escrava? - faz com que retorne à razão e ser ela mesma,
submissa ao ritual da casa. Pois quem era
para dar-se ao desfrute de estar assim pretendendo magoar a todos na estância
com seus desatinos? As certezas estavam ali: Tomás, seu casamento se
aproximando, o enxoval não terminado, a volta do pai quando a guerra acabasse.
Felicien foi só uma sombra pecaminosa, de passagem, como uma provação que Deus
Nosso Senhor tivesse mandado para testá-la. De repente, o orgulho de que não se deixara sucumbir, a virgindade
preservada. O orgulho de se saber forte como o pai e o irmão esperavam
que fosse, como ela mesma o queria.
Mas, ao olhar para os campos,
eles se mostraram definhando, cor de cinza, sem serventia. Isabel se deu conta
que o quê assim via era sua própria imagem.
Um caminho que se inicia e
que termina alimentado pelo olhar feminino. Ousado, submetido, alertado, ele
conduz e vai retratando esse universo de verdades e de preconceitos e
determina-lhe a conduta.
Mais do que um recurso de
estilo criado para a construção do personagem e revelar emoções, esse olhar de
Isabel expressa o seu súbito despertar para a vida e é testemunha de grilhões
feitos da vontade patriarcal, das crenças, das verdades de cada um dos
habitantes da casa.
E no romance há mesclas, há
combinações em harmonia perfeita que, mostrando almas, paisagens, rituais é um
dizer extremamente belo.



