domingo, 25 de outubro de 1992

Na Conquista. Imutáveis trajetórias.


... ladrões, todos nós o somos[...], todos somos famintos, ao Novo Mundo viemos para comer, para matar, a despedaçá-lo e nos repartir seus pedaços... 

Juan Nuñez de Prado, fundador da cidade de Barco, temeroso de que a usurpem os espanhóis de Pedro de Valdivia que a partir do Chile procuravam expandir o território da conquista, muda a cidade de lugar, três vezes.

Personagem da História da América, sua existência seria conhecida apenas dos leitores das Crônicas da Conquista. É, no entanto, tirado desse quase anonimato ao se tornar personagem de um livro de ficção. Carlos Droguett em El hombre que trasladaba las ciudades, conta essa estranha e portentosa aventura em que o capitão foi conduzido por seus medos nessa desvairada viagem pelas terras do Continente, carregando uma cidade que ele desejava erguer.

O romance é construído em quatro capítulos. Nos três primeiros, as mudanças ordenadas por Juan Nuñez de Prado. No último, o seu encontro com Francisco de Aguirre, enviado pela Coroa espanhola para prendê-lo e evitar uma nova mudança da cidade.

Chega Francisco de Aguirre perguntando por que o capitão da empresa havia mandado matar aqueles infelizes desarmados que só tremiam de medo desta solidão e queriam nada mais que um cavalinho para cavalgar para fora dela?. E jura que a cidade não mais será mudada.

Diante dele, preso e amarrado, Juan Nuñez de Prado indaga de seu destino - serei morto? - e lhe confessa a paixão que o une à cidade que mais uma vez encerrara nas carretas, prestes a levar para mais longe.

O capitão Francisco de Aguirre o escuta primeiramente com desconfiança rancorosa; depois irremediável e profundamente o compreende. De costas para o fundador da cidade, vê, pela janela, em cujo marco se apóia, as carretas carregadas. Ao sentenciar Juan Nuñez de Prado - partirás para o Chile para ser julgado - e descer as escadas da casa para penetrar na noite, já sabe que está tomado da mesma paixão e que assumirá o destino do homem que viera prender.

Na madrugada o capitão Nuñez de Prado, atado e entre escolta, deixa a cidade de Barco contida nas carretas que o capitão recém-chegado, contrariando as ordens reais, decide, por sua vez, transportar.

Irá cumprir o que lhe dissera Nuñez de Prado ao se dar conta que lhe havia transmitido a paixão pela cidade e, então, com a certeza de que será obedecido: Procura um bom acento para a cidade.
Francisco de Aguirre aprisionara, cumprindo ordens, aquele que era acusado, mas, contaminado de seu desejo, fazer a cidade enorme e perfeita se dá conta que estaria pronto a matar espanhóis para conseguir levá-la para mais longe e vê-la crescer, enriquecer e prosperar.
 
E sonha, como Juan Nuñez de Prado sonhava, com a cidade futura que  também vislumbra cheia de luxos e carruagens pelas ruas, habitada por teatros, escolas, bibliotecas e cinqüenta mil almas.

O capítulo inteiro narra a sua arrogante chegada na cidade encarcerada nas carretas e o diálogo em que se confronta com Juan Nuñez de Prado.Sabes que encontro certa misteriosa aparência e ressonância e correspondência e cumplicidade nos teus atos e nos meus, sendo como são tão diferentes? diz-lhe, então, em certo momento.
 
E, quando o capitão parte da cidade, ele que viera para julgá-lo, assume o seu destino. Manda reforçar as sentinelas ao redor das carretas carregadas, sabe que poderá matar os soldados que não obedeçam e espiem para ver o que as carretas contém e determina a mudança.
 
E o ciclo da conquista continua. Mudara, apenas, o nome do conquistador.

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