Acossado pelos espanhóis
vindos do Chile, Juan Nuñez de Prado, fundador da cidade de Barco, quer
defendê-la e determina mudar o local de seu assentamento.
Entre os que o acompanhavam
nessa aventura de adentrar-se no Continente, havia os que desejavam criar raízes
nas novas terras e essa fora a motivação que os fizera partir da Espanha para o
mundo desconhecido que apenas se oferecia.
A cidade traçada, a igreja e
as casas construídas, eles acreditam ter, enfim, sua parcela de terra. E não
querem abandoná-la.
Juan Nuñez de Prado, em nome
de Deus e do Rei é quem dita as leis. E para os que não obedecem, a condenação
à morte.
E, na cidade de Barco, na
praça, não longe da igreja, são erguidas as forcas. Nelas, ficam os corpos dos
que se rebelaram enquanto, nas carretas a cidade desmantelada é levada para
outras paragens.
São atos oficiais cometidos
ou ordenados por Juan Nuñez de Prado e seus capitães, registrados nas Crônicas
da Conquista.
Considerados indiscutíveis
razões de Estado, esses mesmos atos, aos se transformarem em matéria ficcional,
passam também, a significar crueldades, injustiças, abusos.
A maestria do narrador
reside, então, em se manter fiel ao que foi registrado pela Crônica da
Conquista eludindo o maniqueísmo que norteia, comumente, a História Oficial num
romance cuja estrutura inusitada é enriquecida por uma linguagem extremamente
emotiva.
A narrativa, polifônica,
privilegia, por vezes, a voz de Juan Nuñez de Prado. Ao leitor é oferecida,
apenas, a interpretação dada aos fatos por aquele que os ordena.
Ao condenar dois de seus
soldados, Anton de Luna e Alonzo del Arco, à forca é interpelado pelo Padre capelão:
Vais matá-los? [...]que
fizeram de malvado, de bestial, de imperdoável, que fizeram? Responde que não gosta de murmúrios e que os dois soldados estavam murmurando; que não
gosta de gestos misteriosos e que eles andavam
contando as armas, os barris de pólvora e
os cadáveres.
Tais “agravos” são suficientes para que os dois soldados sejam presos, condenados ao silêncio e, sem defesa, morram na forca.

Esta morte, é um episódio do
romance, entre outros, que é contada em breves seqüências intercaladas ao longo
de um capítulo de 133 páginas, o primeiro de El hombre que transladaba las ciudades. (Barcelona, Noguer, 1973)
Por vezes, apenas surge a
menção das forcas cravadas nas quatro esquinas da cidade; ou a menção do ritual
necessário (os espectadores, os tambores, o pregoeiro); ou a ordem para
preparar a forca; a piedade expressa por Juan Nuñez de Prado (coitados, coitados, andavam conspirando); a sua decisão de matá-los; a
resposta que deve dar ao Padre que torna a perguntar do porquê da acusação, do
julgamento, da sentença: seja suficiente
saber que foram julgados e condenados;
a sua própria necessidade de auto-explicação: eles dizem que sou eu quem enforca, eu que sou a Espanha, rei, vice-rei e real audiência e santo
ofício e inquisidor.
A própria execução é,
igualmente, narrada em seqüências de poucas linhas, que se inserem nas últimas
cinco páginas do capítulo: os soldados trazendo as escadas para a forca, o
padre perto dos dois prisioneiros que estão atados juntos, a descrição de um
deles, o soar do tambor, as orações do padre, a corda solta ao vento, os
soluços do condenado. E, numas trinta linhas mais adiante, as palavras de Juan
Nuñez de Prado: Já está feito.
Este proceder narrativo de
Carlos Droguett, que evita a descrição do ato de violência anunciado, cuja
execução é constatada depois, não elimina a profunda crueldade que, embora
explicitamente ausente, é expressa.
Porque, certamente, mais
terrível do que o minucioso e realista descrever da morte na forca, para o
escritor, é a própria existência de Instituições, permitindo que tais mortes
aconteçam sob a égide do Estado.
E diz Juan Nuñez de Prado: “não estamos na Espanha, Padre, estamos
nesta terra nova e terrível.”
E diz o Padre: “esta terra, a estás fazendo velha com tanto sangue”.
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