domingo, 11 de outubro de 1992

Na Conquista. A forca

          Acossado pelos espanhóis vindos do Chile, Juan Nuñez de Prado, fundador da cidade de Barco, quer defendê-la e determina mudar o local de seu assentamento.

         Entre os que o acompanhavam nessa aventura de adentrar-se no Continente, havia os que desejavam criar raízes nas novas terras e essa fora a motivação que os fizera partir da Espanha para o mundo desconhecido que apenas se oferecia.

         A cidade traçada, a igreja e as casas construídas, eles acreditam ter, enfim, sua parcela de terra. E não querem abandoná-la.

         Juan Nuñez de Prado, em nome de Deus e do Rei é quem dita as leis. E para os que não obedecem, a condenação à morte.

         E, na cidade de Barco, na praça, não longe da igreja, são erguidas as forcas. Nelas, ficam os corpos dos que se rebelaram enquanto, nas carretas a cidade desmantelada é levada para outras paragens.

         São atos oficiais cometidos ou ordenados por Juan Nuñez de Prado e seus capitães, registrados nas Crônicas da Conquista.

         Considerados indiscutíveis razões de Estado, esses mesmos atos, aos se transformarem em matéria ficcional, passam também, a significar crueldades, injustiças, abusos.

         A maestria do narrador reside, então, em se manter fiel ao que foi registrado pela Crônica da Conquista eludindo o maniqueísmo que norteia, comumente, a História Oficial num romance cuja estrutura inusitada é enriquecida por uma linguagem extremamente emotiva.

         A narrativa, polifônica, privilegia, por vezes, a voz de Juan Nuñez de Prado. Ao leitor é oferecida, apenas, a interpretação dada aos fatos por aquele que os ordena.

         Ao condenar dois de seus soldados, Anton de Luna e Alonzo del Arco, à forca é interpelado pelo Padre capelão: Vais matá-los?  [...]que fizeram de malvado, de bestial, de imperdoável, que fizeram? Responde que não gosta de murmúrios e que os dois soldados estavam murmurando; que não gosta de gestos misteriosos e que eles andavam contando as armas, os barris de pólvora e os cadáveres.

         Tais “agravos” são suficientes para que os dois soldados sejam presos, condenados ao silêncio e, sem defesa, morram na forca.


         Esta morte, é um episódio do romance, entre outros, que é contada em breves seqüências intercaladas ao longo de um capítulo de 133 páginas, o primeiro de El hombre que transladaba las ciudades. (Barcelona, Noguer, 1973)

         Por vezes, apenas surge a menção das forcas cravadas nas quatro esquinas da cidade; ou a menção do ritual necessário (os espectadores, os tambores, o pregoeiro); ou a ordem para preparar a forca; a piedade expressa por Juan Nuñez de Prado (coitados, coitados, andavam conspirando); a sua decisão de matá-los; a resposta que deve dar ao Padre que torna a perguntar do porquê da acusação, do julgamento, da sentença: seja suficiente saber que foram julgados e condenados; a sua própria necessidade de auto-explicação: eles dizem que sou eu quem  enforca, eu que sou a Espanha, rei, vice-rei e real audiência e santo ofício e inquisidor.

         A própria execução é, igualmente, narrada em seqüências de poucas linhas, que se inserem nas últimas cinco páginas do capítulo: os soldados trazendo as escadas para a forca, o padre perto dos dois prisioneiros que estão atados juntos, a descrição de um deles, o soar do tambor, as orações do padre, a corda solta ao vento, os soluços do condenado. E, numas trinta linhas mais adiante, as palavras de Juan Nuñez de Prado: Já está feito.

         Este proceder narrativo de Carlos Droguett, que evita a descrição do ato de violência anunciado, cuja execução é constatada depois, não elimina a profunda crueldade que, embora explicitamente ausente, é expressa.

         Porque, certamente, mais terrível do que o minucioso e realista descrever da morte na forca, para o escritor, é a própria existência de Instituições, permitindo que tais mortes aconteçam sob a égide do Estado.

 

E diz Juan Nuñez de Prado: “não estamos na Espanha, Padre, estamos nesta terra nova e terrível.”

E diz o Padre: “esta terra, a estás fazendo velha com tanto sangue”.

 

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