domingo, 4 de outubro de 1992

Na Conquista. A cidade.


a cidade que não existia, que não podia existir então, que era tão somente pressentimento total e inadiável.

 
Juan Nuñez de Prado havia chegado com seus homens. Vinha do Peru para fundar uma cidade e a fundou: Barco. Três vezes a desfez e refez para salvá-la da ambição dos seguidores de Pedro de Valdivia que vinham do Chile. A Crônica da Conquista registra essa história e, seguindo-a, fielmente, o ficcionista Carlos Droguett a retoma em El hombre que trasladaba las ciudades (Barcelona, Noguer, 1973).

No texto que ele chama “Estes materiais” e que antecede o primeiro capítulo, diz como desejou se aproximar dessa cidade que os primeiros espanhóis aqui chegados quiseram criar: mostrá-la como esses conquistadores a viam com seus “longos olhos”, como foi sendo, minuciosamente, forjada.

Nas terras do Continente, a cidade da Crônica Oficial se ergue em 1540. Carlos Droguett a torna a erguer com suas palavras. Contidas nas suas “ingênuas moradias, nos seus pobres telhados carcomidos ou inexistente, nas suas impressionantes portas fracas e horríveis” a vida e a morte, ele diz.

Ela vive povoada de odores de comidas e de árvores e folhas, de sons, de murmúrios, de vozes, de contos. Inteiramente viva entre a névoa e a chuva, sob a luz do sol e da lua. E morta parece estar nas ruas desertas e geladas, petrificada no meio da noite.

Jamais verdadeiramente erguida nas suas repetidas mudanças mas, presença reafirmada num jogo estilístico em que parte dela - portas, janelas, madeiras, sacadas, telhados, erguidos ou espalhados ou amontoados nas suas mal acabadas ruas se constituem elementos suficientemente sugestivos para desenhá-la como um todo.

E, assim, embora apenas vislumbrada no seu traçado e nas suas casas que se levantam e, para serem reconstruídas mais além, são desfeitas, ela se recorta, fortemente, da paisagem do Continente sem, no entanto, adquirir um estatuto definido o que faz dela uma cidade que pode abrigar múltiplas outras.

Não é, pois, uma cidade determinada essa Barco inspiradora de Carlos Droguett, apesar das mesquinhas aparências, dos conhecidos adobes, das madeiras fragrantes dos bosques recém cortados, é qualquer cidade ou pode ter sido todas as cidades desta América informe, atônita, maravilhosa e incompleta.

Efêmera nesse seu renovar-se, esboçada apenas, abriga esses conquistadores que no começo do século chegaram à América saídos da Espanha. Alimentados de sonhos e ambições de riquezas. Ou, somente, desejosos de possuir a casa e o pão.

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