Vão se espalhando pelo chão
enquanto as carretas carregadas levam a cidade desmontada para ser erguida,
novamente, noutro lugar.
Juan Nuñez de Prado, vindo
do Peru, fundara Barco em 1540 na região argentina de Tucumán e, ameaçado pelos
conquistadores espanhóis que haviam começado a conquista pelo Chile, muda, três
vezes, a cidade de lugar.
A igreja, as casas feitas
pedaços, com suas portas e janelas, amontoadas nos carros de boi e no dorso dos
índios, seguem o caminho que os conquistadores do Continente vão traçando e
deixam nele patéticos restos de um cotidiano que aspira repetir os hábitos e os
costumes do Velho Mundo.
As carretas avançam, muitas
vezes penosamente, contornando encostas, suportando o cair da chuva no peso da
carga, a cada mudança que o capitão determina querendo salvar a cidade; os
homens sofrem privações.
E, repetitivas, se inserem
sempre renovadas na narrativa, as enumerações desses objetos que, trazidos da
metrópole, vão se perdendo nas terras da América.
Ou abandonadas no meio de
uma casa a meio derrubar, onde as cadeiras empilhadas e as roupas espalhadas no
chão ou penduradas num prego, os papéis soltos, um livro desfeito, mapas,
cartas de baralho, um pequeno martelo de prata, pousado sobre um pano qualquer,
mostram não só a ansiedade em realizar a mudança, como a violência que a
orientou ao obrigar a partir também aqueles que, na cidade, já se haviam
enraizado.
Ou perdidas nessa viagem
cheia de medos e percalços em que os bois, querendo fugir do terror ao margear
os precipícios, neles se lançam, levando montanha abaixo a carga inteira: dos
cestos, caindo a roupa branca; tilintando as colheres, as facas, uma panela; cadeiras,
pedaços de portas, de janelas, de camas, pedaços de um altar se espatifando.
Bêbado de palavras é
Carlos Droguett, diz o professor da Universidade de Poitiers, Alain Sicard. É
realmente, um bêbado de palavras, o autor de El hombre que trasladaba las ciudades (Barcelona, Noguer, 1973)
Na escrita repetitiva e
sinuosa, as palavras aparecem e aparecem outra vez e tornam a aparecer num
perfeito e inusitado jogo estilístico em que o substantivo, na enumeração das
coisas recria um universo cotidiano e simples, inserido na epopéia da conquista
e a reduz à dimensão dos homens.
Sejam esses homens, o
conquistador valente e cruel guerreiro, ou o soldado ingênuo e ignorante,
engajado na ilusória e perigosa empresa de submeter o Novo Mundo, eles, sem
dúvida, são iguais na sua fragilidade.
E, perdendo, nesse
adentrar-se pelo Continente, as coisas que eram parte do mundo que haviam
deixado - e lençóis, e móveis e armas e utensílios - capitães e soldados,
igualmente, vão sendo despojados do passado e das raízes que procuravam
conservar.
De seu, teriam somente a
luta, os sofrimentos, as perdas. Porque o espaço conquistado, as riquezas dele
advindas e seu usufruto e as glórias pertenciam aos donos do Poder distante.

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