domingo, 1 de dezembro de 1991

Leitura do Brasil I

            Entre as múltiplas migrações que, nos dias de hoje, acontecem no mundo em tão grande escala e em tão diferentes direções, uma tornou-se verdadeiramente excepcional:  a de Gontardo Galligaris, italiano, psicanalista em Paris desde 1974 que, em 1989, se instalou no Brasil.

            Para qualquer cidadão do Terceiro Mundo, mais ou menos informado, é plenamente aceitável e, até aconselhável, essa prática de atravessar fronteiras em busca de melhores condições de vida. Que um cidadão do Primeiro Mundo, porém, sem estar pressionado por razões econômicas ou ideológicas ou por um governo ditatorial, simplesmente opte por abandonar  o seu espaço civilizado e sedutor para se estabelecer no Continente é algo que se torna curioso e incompreensível para muitos.

            Diante dessa curiosidade e incompreensão que a sua rota inusual, contrária àquela escolhida pelos que emigram, provoca, esse europeu, cujas raízes piemontesas remontam ao século em que o Brasil foi descoberto, passa, por sua vez, a ser dominado por uma interrogação.  Depois de escutar, muitas vezes, e na boca sem meias palavras dos brasileiros das mais diversas categorias sociais, a frase “este país não presta”,  Gontardo Galligaris procurou respostas e empreendeu outro inusual percurso: o de entender o porquê dessa frase  que lhe provocou, repetidas  vezes, verdadeiro espanto.
 
            Então, Hello Brasil! (São Paulo, Escuta, 1991) que ele define como um escrito de amor:  ao mesmo tempo uma declaração, uma elegia e, naturalmente, um queixa e que resultou, segundo palavras da Editora, num brilhante ensaio que produz, no leitor, uma intensa e prolongada atividade de pensamento.

            Evidentemente, uma permanência de dois anos no país, mesmo que originada de uma paixão, como o autor o confessa, não lhe permite discernir certos detalhes, determinadas nuanças e reais significados do comportamento nacional. Mas, na medida em que os próprios brasileiros não se conhecem e, em muitos casos, pouco de comum têm entre si, dificilmente, uma aproximação poderá resultar satisfatória. Porque as dimensões do país e a conseqüente diversidade de seu território, sua população de mestiçagem diversa e, principalmente, a muralha de preconceitos que separa suas classes sociais, fazem dele um mundo desconhecido e inexplorado. E, sobretudo, porque, salvo as sempre honrosas exceções, grande parte de sua elite somente produz (quando o faz), inspirando-se nos considerados polos irradiadores de conhecimento ou, copiando o que esses pólos produzem enquanto ignoram, conscienciosamente, o que se passa a seu redor.

            Então, é deveras importante o que escreve Gontardo Galligaris. Por ser oriundo de respeitáveis países do Primeiro Mundo e ter chegado ao Brasil com importantes trabalhos publicados, suas palavras já vem precedidas daquela autoridade que as elites do Continente tem por hábito aceitar. Mormente porque, ainda não contaminado por leituras tradicionais – que, é evidente, não devem deixar de serem feitas – ousa observar o país a partir de seu acervo de psicanalista lacaniano e do acervo que as aventuras do dia a dia num país do Continente lhe possibilita adquirir.

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