Entre
as múltiplas migrações que, nos dias de hoje, acontecem no mundo em tão grande
escala e em tão diferentes direções, uma tornou-se verdadeiramente
excepcional: a de Gontardo Galligaris,
italiano, psicanalista em Paris desde 1974 que, em 1989, se instalou no Brasil.
Para
qualquer cidadão do Terceiro Mundo, mais ou menos informado, é plenamente
aceitável e, até aconselhável, essa prática de atravessar fronteiras em busca
de melhores condições de vida. Que um cidadão do Primeiro Mundo, porém, sem
estar pressionado por razões econômicas ou ideológicas ou por um governo
ditatorial, simplesmente opte por abandonar
o seu espaço civilizado e sedutor para se estabelecer no Continente é
algo que se torna curioso e incompreensível para muitos.
Diante
dessa curiosidade e incompreensão que a sua rota inusual, contrária àquela
escolhida pelos que emigram, provoca, esse europeu, cujas raízes piemontesas
remontam ao século em que o Brasil foi descoberto, passa, por sua vez, a ser
dominado por uma interrogação. Depois de
escutar, muitas vezes, e na boca sem meias palavras dos brasileiros das mais diversas
categorias sociais, a frase “este país não presta”, Gontardo Galligaris procurou respostas e
empreendeu outro inusual percurso: o de entender o porquê dessa frase que lhe provocou, repetidas vezes, verdadeiro espanto.
Então,
Hello Brasil! (São Paulo, Escuta, 1991) que ele define como um escrito de amor: ao mesmo
tempo uma declaração, uma elegia e, naturalmente, um queixa e que resultou,
segundo palavras da Editora, num brilhante
ensaio que produz, no leitor, uma intensa e prolongada atividade de pensamento.
Evidentemente,
uma permanência de dois anos no país, mesmo que originada de uma paixão, como o
autor o confessa, não lhe permite discernir certos detalhes, determinadas
nuanças e reais significados do comportamento nacional. Mas, na medida em que
os próprios brasileiros não se conhecem e, em muitos casos, pouco de comum têm
entre si, dificilmente, uma aproximação poderá resultar satisfatória. Porque as
dimensões do país e a conseqüente diversidade de seu território, sua população
de mestiçagem diversa e, principalmente, a muralha de preconceitos que separa
suas classes sociais, fazem dele um mundo desconhecido e inexplorado. E,
sobretudo, porque, salvo as sempre honrosas exceções, grande parte de sua elite
somente produz (quando o faz), inspirando-se nos considerados polos
irradiadores de conhecimento ou, copiando o que esses pólos produzem enquanto
ignoram, conscienciosamente, o que se passa a seu redor.
Então,
é deveras importante o que escreve Gontardo Galligaris. Por ser oriundo de
respeitáveis países do Primeiro Mundo e ter chegado ao Brasil com importantes
trabalhos publicados, suas palavras já vem precedidas daquela autoridade que as
elites do Continente tem por hábito aceitar. Mormente porque, ainda não
contaminado por leituras tradicionais – que, é evidente, não devem deixar de
serem feitas – ousa observar o país a partir de seu acervo de psicanalista
lacaniano e do acervo que as aventuras do dia a dia num país do Continente lhe
possibilita adquirir.

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