domingo, 8 de dezembro de 1991

Leitura do Brasil II

          O utópico todos  os homens são iguais perante a lei, perdeu, de certa forma, o sentido  quando na Revolução dos Bichos de George Orwell ficou evidente que a essa verdade  foi superposta uma outra: a de que sempre há os que são mais iguais do que os outros. Para esses, o Brasil é um paraíso.

      Obnubilados pelo tradicional  costume  de exclamar, quando sentem  em perigo alguma de suas pretensões ( mesmo as mais chãs como querer estacionar o carro em lugar proibido), sabe com quem está falando?, alguns brasileiros se auto-situam e disso estão, perfeitamente, convictos, como mais iguais do que os outros.

           Na verdade, eles se constituem uma casta. Isenta,  em alguns lugares em que as circunstâncias não o permitiram, do uso dessa expressão ridícula, trata-se, no entanto,  de uma casta que existe em todo e qualquer lugar do mundo. Tão universal quanto aquela que congrega os menos iguais do que os outros.

           No Brasil, entre “os mais iguais”e “os menos iguais” medeiam verdadeiros abismos que a cegueira herdada pela impermeabilidade das classes ou imposta pelos interesses em alienar uns e outros, impediu, por muito tempo, de perceber.
 
            No caso das crianças, “as mais iguais que as outras”, são as que possuem os bens necessários para uma vida correta e os privilégios que aponta Gontardo Galligaris no seu livro Hello Brasil! (São Paulo, Escuta, 1991) recém lançado no Brasil: comer o que lhe agrada, receber amigos,  poder passear e comprar à vontade.“As menos iguais”, aquelas milhares – e hoje, surgem vozes para dizer de sua penúria – que, no Brasil, já nasceram condenadas a viver no inferno das carências ou ao desaparecimento precoce..

           Situações extremas que permitem ao autor de Hello Brasil! , um psicanalista italiano radicado no Brasil, em 1989,  ver os felizardos que tudo recebem, como  crianças que  reinam  num país em que milhares de outras perambulam, abandonadas, pelas ruas,  como o registra a imprensa nacional e internacional. E o levam a elaborar uma explicação psicanalítica para o Brasil na qual se insere, também, esse fenômeno que é o país possuir uma elite que tudo concede  aos seus, enquanto se exime de qualquer responsabilidade em relação aos que são privados do mais elementar necessário.

           Com certeza, somente os especialistas da área poderão julgar se as palavras  de Gontardo Galligaris, como psicanalista, são pertinentes, se colocam entre as que são passíveis de discussão ou entre as que podem ser consideradas irrefutáveis.

         Porém, o ter tido olhos na “sua viagem ao Brasil”  para esses antagonismos sociais que no país se defrontam e ter, com seus olhos de europeu e com simplicidade,  se  espantado, faz dele um viajante excepcional.

          E suas notas de viagem – “Notas  de um psicanalista europeu  viajando no Brasil” é o sub-título do livro -  se constituem excelentes fios condutores para perceber, entre constatações e contestações, um Brasil, entre  os tantos que existem, que pode, então, ser delineado com novas cores ou com múltiplas nuanças.

Nenhum comentário:

Postar um comentário