Viveu
entre 1899 e 1957 e dois anos depois de sua morte, o livro que nem chegou a ver
publicado, Tierra y tiempo, recebeu o Prêmio Nacional de Literatura.
Juan
José Morosoli nasceu no interior do Uruguai, na cidade de Minas e lá, dono de
um armazém, passou a vida. No livro de matrículas da Escola onde foi
alfabetizado, consta que no segundo ano, abandonou os estudos para começar a
trabalhar. Com vinte e quatro anos, já instalado como comerciante, se inicia no
Jornalismo. Colabora em diferentes publicações, suas peças começam a ser
apresentadas e, cinco anos depois, seus poemas e pequeno contos, por sua vez,
começam a aparecer em livro. Neste ano de 1991, foi publicado em Porto Alegre
(Mercado Aberto, Metrópole, Instituto Estadual do Livro), A longa viagem de
prazer, uma coletânea de nove breves relatos que Sérgio Faraco selecionou e
traduziu para o português.
São
histórias sobre seres anônimos, humildes, cujo reduzido mundo se situa à margem
das transformações hodiernas e que se deixam viver imunes a quaisquer
conflitos. São poucos complicados e pensam, falam e atuam de
acordo com suas razões primitivas, com sua moral espontânea, mas não por isso menos digna, nem menos rígida, diz
deles o crítico Mario Benedetti. Vidas
que deslizam na paisagem interiorana sem deixar marcas e que Juan José Morosoli
imobiliza na palavra. No ensaio “Algunas ideas sobre la narración como arte y
sobre lo que ella puede tener como documento histórico” que Heber Raviolo cita no Prólogo da edição brasileira,
Juan José Morosoli fala da temática e da gênese de seus contos: E então continuo olhando, me detendo,
contando coisas que os tempos mudam, vidas que um dia vão embora pelo caminho
de todos, vidas que ficam em mim para me ajudar a sentir a própria vida como a
companhia de uma árvore ou de um
cavalo ou de uma nuvem.
Expressão
de uma simplicidade tão autêntica e comovente quanto os tipos que descreve,
quase sempre extremamente sós, mas receptivos ao gesto, à presença, à amizade.
Assim, no relato “Dois velhos”, um
aposentado sente pena da solidão do outro e o convida para morar na sua
casa. Assim, em “O viúvo”, a mulher aceita se casar com um homem que perdera a
mulher e tomar conta de seus filhos
pequenos porque, ficou, também, com pena. E, assim, Umpierrez que vivia sozinho
porque acreditava desse jeito ser feliz,
soube aceitar a companhia de um burro de
olhar agradecido e da mulher que se ofereceu para lhe preparar a comida.
São
tipos que pouco pedem e outros, que se contentam com muito pouco. No relato que
dá nome ao livro, Tertuliano ao ganhar, numa rifa, um velho caminhão, pretende
fazer uma longa viagem, de puro prazer, para conhecer o mundo e nada mais. Parte com
seu amigo Aniceto, em direção do leste para ver o sol nascer. Viajam devagar e,
no segundo dia, quando já estavam chegando, perto da fronteira com o Brasil,
são detidos pela polícia e devem explicar para onde vão e o que levam no
caminhão. A resposta de que nada levam e que apenas estão indo ver o sol
nascer, não satisfez e são levados para
a delegacia. Esperaram pelo delegado e só depois de serem interrogados, voltam
a estar em liberdade. Consideraram, então, que esperar mais um dia e uma noite,
num lugar onde tinham sido maltratados, penas para ver o sol nascer, não valia
a pena. E voltam. Já estavam em casa.
Acabavam de esquentar a água para o mate. – Hermano – disse Aniceto - fizemos uma linda viagem, mas vimos pouca
coisa, não achas? – Não. As viagens começam depois que a gente chega. Isso eu
te digo. Uma vez que fui a Montevidéu,
só na volta, quando comecei a contar tudo pros outros é que me dei conta que
aquilo que eu tinha visto era uma coisa maravilhosa.
Além
da perfeição estrutural e estilística de muitos de seus textos, é nesse
enraizar-se do autor e de seus personagens que se encontra uma das grandes
qualidades dos textos de Juan José Morosoli. Uma outra e não menor, está em não
temer as dificuldades de contar coisas simples, desse quase nada acontecer que
povoa seu relato.
É
do homem do Continente e de suas andanças que ele fala. Simples. Ingênuo. Tocante. Um homem que
muito pouco tem a ver com o brilho dos personagens de uma distante ficção
forânea e alienante que, muitas vezes,
encabeça a lista dos livros mais vendidos no Brasil.
Que
haja no país quem perceba a beleza do texto de Juan José Morosoli e se proponha
estudá-lo e traduzi-lo é algo extremamente auspicioso na medida em que permite
o desafio de editar um autor que não chega precedido das tradicionais loas que
ensejam as grandes tiragens. E que irá, sem dúvida, oferecer a muitos a tão
necessária reelaboração estética e ideológica de que a elite dos países
latino-americanos é, por vezes, tão
carente.

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