domingo, 22 de dezembro de 1991

Raízes existem


            Viveu entre 1899 e 1957 e dois anos depois de sua morte, o livro que nem chegou a ver publicado, Tierra y tiempo, recebeu o Prêmio Nacional de Literatura.

            Juan José Morosoli nasceu no interior do Uruguai, na cidade de Minas e lá, dono de um armazém, passou a vida. No livro de matrículas da Escola onde foi alfabetizado, consta que no segundo ano, abandonou os estudos para começar a trabalhar. Com vinte e quatro anos, já instalado como comerciante, se inicia no Jornalismo. Colabora em diferentes publicações, suas peças começam a ser apresentadas e, cinco anos depois, seus poemas e pequeno contos, por sua vez, começam a aparecer em livro. Neste ano de 1991, foi publicado em Porto Alegre (Mercado Aberto, Metrópole, Instituto Estadual do Livro), A longa viagem de prazer, uma coletânea de nove breves relatos que Sérgio Faraco selecionou e traduziu para o português.

            São histórias sobre seres anônimos, humildes, cujo reduzido mundo se situa à margem das transformações hodiernas e que se deixam viver imunes a quaisquer conflitos. São poucos complicados e pensam, falam e atuam de acordo com suas razões primitivas, com sua moral espontânea, mas não por isso menos digna, nem menos rígida, diz deles o crítico Mario Benedetti.  Vidas que deslizam na paisagem interiorana sem deixar marcas e que Juan José Morosoli imobiliza na palavra. No ensaio “Algunas ideas sobre la narración como arte y sobre lo que ella puede tener como documento histórico” que Heber  Raviolo cita no Prólogo da edição brasileira, Juan José Morosoli fala da temática e da gênese de seus contos: E então continuo olhando, me detendo, contando coisas que os tempos mudam, vidas que um dia vão embora pelo caminho de todos, vidas que ficam em mim para me ajudar a sentir a própria vida como a companhia de uma árvore ou de um cavalo ou de uma nuvem.

            Expressão de uma simplicidade tão autêntica e comovente quanto os tipos que descreve, quase sempre extremamente sós, mas receptivos ao gesto, à presença, à amizade. Assim, no relato “Dois velhos”, um  aposentado sente pena da solidão do outro e o convida para morar na sua casa. Assim, em “O viúvo”, a mulher aceita se casar com um homem que perdera a mulher  e tomar conta de seus filhos pequenos porque, ficou, também, com pena. E, assim, Umpierrez que vivia sozinho porque acreditava  desse jeito ser feliz, soube aceitar  a companhia de um burro de olhar agradecido e da mulher que se ofereceu para lhe preparar a comida.

            São tipos que pouco pedem e outros, que se contentam com muito pouco. No relato que dá nome ao livro, Tertuliano ao ganhar, numa rifa, um velho caminhão, pretende fazer uma longa viagem, de puro prazer, para conhecer o mundo e nada mais. Parte com seu amigo Aniceto, em direção do leste para ver o sol nascer. Viajam devagar e, no segundo dia, quando já estavam chegando, perto da fronteira com o Brasil, são detidos pela polícia e devem explicar para onde vão e o que levam no caminhão. A resposta de que nada levam e que apenas estão indo ver o sol nascer, não satisfez e são  levados para a delegacia. Esperaram pelo delegado e só depois de serem interrogados, voltam a estar em liberdade. Consideraram, então, que esperar mais um dia e uma noite, num lugar onde tinham sido maltratados, penas para ver o sol nascer, não valia a pena. E voltam. Já estavam em casa. Acabavam de esquentar a água para o mate. – Hermano – disse Aniceto -  fizemos uma linda viagem, mas vimos pouca coisa, não achas? – Não. As viagens começam depois que a gente chega. Isso eu te digo. Uma vez que fui  a Montevidéu, só na volta, quando comecei a contar tudo pros outros é que me dei conta que aquilo que eu tinha visto era uma coisa maravilhosa.

            Além da perfeição estrutural e estilística de muitos de seus textos, é nesse enraizar-se do autor e de seus personagens que se encontra uma das grandes qualidades dos textos de Juan José Morosoli. Uma outra e não menor, está em não temer as dificuldades de contar coisas simples, desse quase nada acontecer que povoa seu relato.

            É do homem do Continente e de suas andanças que ele fala. Simples. Ingênuo. Tocante. Um homem que muito pouco tem a ver com o brilho dos personagens de uma distante ficção forânea  e alienante que, muitas vezes, encabeça a lista dos livros mais vendidos no Brasil.

            Que haja no país quem perceba a beleza do texto de Juan José Morosoli e se proponha estudá-lo e traduzi-lo é algo extremamente auspicioso na medida em que permite o desafio de editar um autor que não chega precedido das tradicionais loas que ensejam as grandes tiragens. E que irá, sem dúvida, oferecer a muitos a tão necessária reelaboração estética e ideológica de que a elite dos países latino-americanos  é, por vezes, tão carente.




           

Nenhum comentário:

Postar um comentário