1979, na
cidade de Caracas, se realizava o XIX Congresso Internacional de Literatura
Iberoamericana, patrocinado pelo Instituto Iberaoamericano de Pittsburg. Entre
os autores convidados, o mexicano Carlos Fuentes, conhecido autor de uma
importante e vasta obra romanesca da qual muitos títulos já foram traduzidos
para o português (Aura, A cabeça da Hidra, A morte de Artêmio
Cruz). Menos conhecido é seu texto para teatro, cujo título, Todos los
gatos son pardos, não sugere a imensa beleza das palavras, nem a concepção
cênica inovadora que, ainda que se tenham passado vinte anos, não perderam a
sua grande força expressiva. O poder
exigir suntuosos cenários, riquíssimos trajes, uma iluminação feérica e
sugestivos efeitos sonoros a tornam fadada a um grandioso espetáculo para os
sentidos sem que disso se excluam, em nenhum momento, significados extremamente
profundos que se enraízam nos mitos do México.
Construída em nove cenas, a ação se passa no Palácio Real, nos
acampamentos espanhóis, num templo indígena e é conduzida por Montezuma e
Hernán Cortez. Uma corte faustuosa, uns soldados pobres e, entre esses dois
mundos, Malintzin, nascida infeliz, tornada Malinche, a traidora que, batizada
de Marina, serve ao vencedor.
Um
homem que tudo possuía e outro que nada tinha, assim simplificou a tragédia do
encontro de Montezuma e Cortez, o americano Arthur Miller para Carlos Fuentes.
Ao redor deles se elevam as vozes cheias de medo dos que não querem ser
derrotados e os clamores raivosamente inseguros dos que chegaram e são
dominados pela ambição. A voz do ritual e dos profetas. Das verdades e da
hipocrisia. Principalmente, a voz da mulher, levando palavras de uns para
outros e que entrega os seus para ter o direito de existir.
Todos
los gatos son pardos é uma síntese da Conquista do México. Mudam-se os
tempos, mudam-se os lugares, mudam-se as figuras e, ainda, é sempre, a História
do Continente. E, as palavras em epígrafe que repetem as conhecidas e citadas
réplicas de Andréa (Desventurado o povo
que não tem heróis.) e Galileu (Não. Desventurado o povo que precisa de
heróis.) não foram citadas em vão.
Nesse
ano de 1979, em Caracas, pude me aproximar de Carlos Fuentes e perguntar-lhe,
pois os livros sobre ele e sobre sua obra jamais o haviam mencionado, se Todos
los gatos son pardos já tinha, algum dia, sido encenada. Respondeu que não.
Doze anos se passaram e continuo ignorando se a peça, como espetáculo, continua
inédita.
Agora,
que as comemorações dos 500 anos do descobrimento da América se voltam para os
feitos ibéricos, indubitavelmente, mais do que nunca, seria o momento para que
tal montagem acontecesse.
Seria,
talvez, o início do descobrimento de uma dramaturgia que tem estado ausente dos
palcos brasileiros, mesmo daqueles situados em região de fronteiras com os
países latino-americanos e cujos teatros como Álvaro de Carvalho de
Florianópolis, São Pedro de Porto Alegre e Guairá de Curitiba, considerando-se
o universo cultural do Brasil, tem cumprido sua missão.
Mas
é, sobretudo, pela sua beleza plástica e por essa dialética extremamente
valiosa para o homem do Continente, dominantes na peça, que a montagem de Todos
los gatos son pardos deve marcar o mundo teatral brasileiro.
Num
território tão vasto, onde os habitantes não somente se desconhecem como tendem
a perceber a História pelo olhar dos outros, Todos los gatos son pardos é,
certamente, um espelho que tem a ousadia de refletir muitas imagens. Mesmo
aqueles que não as queiram ver, ficarão fascinados com a festa e luzes e cores
e paixões que o trabalho de um diretor sábio e sutil, cuja visão de mundo não
seja a do colonizado, saberá fazer emergir
do jogo cênicos. Incrustadas nesse jogo, as palavras de Todos los gatos são
pardos também serão sementes.




