domingo, 30 de junho de 1991

O romance romântico na América:Amalia

             O primeiro romance argentino foi escrito no exílio. Seu autor, José Mármol, atravessara o Rio da Prata e, em Montevidéu,  usando da palavra, lutava contra o ditador que assolava o seu país. No mês de maio de 1851, Amália, “romance histórico americano” estava concluído.

            No ano seguinte, Juan Manuel Rosas era vencido em Monte Caseros. José Mármol que havia escrito versos, inclusive nas paredes da prisão onde estivera por se opor à tirania da barbárie, quatro anos antes, já havia publicado na capital do Uruguai, Cantos del peregrino onde mesclava evocações à natureza argentina com os lamentos de quem, vivendo no exílio, é privado de seus encantos. Em Armonías,  seu segundo livro de poemas, os versos contra o ditador são tão ferozes que por eles, José Mármol recebeu o epíteto de “ verdugo poético de Rosas”. Ao escrever Amália, quis fazer do romance um testemunho de sua época, a “época do terror” como a chamou. E, embora em sintonia com o espírito literário do momento, pródigo de romances históricos, o seu, ele o povoou de personagens reais, seus contemporâneos e no afã proselitista lhe anexou cartas, notícias de jornal, documentos, procurando demonstrar a veracidade dos fatos que narrava.

            O idílio entre a personagem título, Amália e o jovem Eduardo é, então,  apenas um motivo para a elaboração da crônica do que se passava em Buenos Aires sob a égide daquele, que mais tarde, seria chamado de “Luiz XIV de bombachas”.

            Situa-se a ação entre duas datas: 4 de maio e  5 de outubro de 1840. Às dez horas da noite do dia 4 de maio, um grupo de argentinos margeia o rio em busca do barco que os levaria para o exílio quando são interceptados pela policia de Rosas. Na luta que advém, são todos mortos com exceção de Eduardo que, gravemente ferido, é levado para a casa de Amália, prima do amigo que fora em seu socorro. Cinco meses se passam. Outra vez, Eduardo está prestes a deixar o país, acompanhado, agora por Amália que se tornara sua mulher. Novamente, o ataque da mesma polícia. Novamente, o correr do sangue.

            Entre as duas cenas sangrentas, conduzindo o retrato da época, as tramas políticas, o agir  de um governante todo-poderoso, a sanha da ditadura, o romance dos dois jovens. Romance cheio de lágrimas, medos e presságios e em perfeito acordo com a dupla amorosa colmada de beleza física, de perfeição de caráter, elegância e grandeza de sentimentos.

            Amália e Eduardo repetem modelos do romantismo europeu presentes, também, na estrutura da obra e em alguns de seus temas secundários. Historiadores da Literatura notam em Amália influências de Walter Scott, Chateaubriand e de Byron.  No entanto, não é sem razão que no sub-título apareça, também a palavra “americano”.Porque, embora preso  aos moldes orientadores dos “civilizados”, José Mármol, arraigado no Continente, registrou a angústia e os desacertos de seu país.

            “Romance político” chamou-o Luis Alberto Sánchez em Proceso y contenido de la novela hispanoamericana pensando, certamente, nas duas facções – os unitários e os federais – que se degladiam e dão ensejo a uma grandiloqüência de José Mármol que, sem exagero, pode ser chamada de retórico do terror.

            Como os personagens reais ou fictícios e seus respectivos atos, cada uma das facções é apresentada de maneira perfeitamente maniqueísta: pobres, ignorantes e covardes, ladrões e assassinos são os federais, adeptos de Rosas. Oriundos da elite econômica e cultural, os unitários são cultos, corajosos, leais, bondosos e justos. Eduardo e Amália são unitários;  os que rodeiam Rosas, pessoas execráveis, são federais. Uma dicotomia que, evidentemente, se reafirma em cada cena que mostra a prática sangrenta da ditadura e a luta para destruí-la Nessa luta se engajou José Mármol. E a tal ponto que sua obra é considerado por muitos, uma obra de ocasião -  o que de resto não lhe tira o mérito – porque desaparecido o ditador, o escritor emudeceu.

            Não o seu romance. As edições de Amália se sucederam. E outros escritores lhe seguiram os passos e várias traduções foram feiras.

            Sob o signo da luta e do desejo de transformação, nascia com Amália o romance argentino.

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