
No
ano seguinte, Juan Manuel Rosas era vencido em Monte Caseros. José Mármol que
havia escrito versos, inclusive nas paredes da prisão onde estivera por se opor
à tirania da barbárie, quatro anos antes, já havia publicado na capital do
Uruguai, Cantos del peregrino onde mesclava evocações à natureza
argentina com os lamentos de quem, vivendo no exílio, é privado de seus
encantos. Em Armonías, seu
segundo livro de poemas, os versos contra o ditador são tão ferozes que por
eles, José Mármol recebeu o epíteto de “ verdugo poético de Rosas”. Ao escrever
Amália, quis fazer do romance um testemunho de sua época, a “época do
terror” como a chamou. E, embora em sintonia com o espírito literário do
momento, pródigo de romances históricos, o seu, ele o povoou de personagens
reais, seus contemporâneos e no afã proselitista lhe anexou cartas, notícias de
jornal, documentos, procurando demonstrar a veracidade dos fatos que narrava.
O
idílio entre a personagem título, Amália e o jovem Eduardo é, então, apenas um motivo para a elaboração da crônica
do que se passava em Buenos Aires sob a égide daquele, que mais tarde, seria
chamado de “Luiz XIV de bombachas”.
Situa-se
a ação entre duas datas: 4 de maio e 5
de outubro de 1840. Às dez horas da noite do dia 4 de maio, um grupo de
argentinos margeia o rio em busca do barco que os levaria para o exílio quando
são interceptados pela policia de Rosas. Na luta que advém, são todos mortos
com exceção de Eduardo que, gravemente ferido, é levado para a casa de Amália,
prima do amigo que fora em seu socorro. Cinco meses se passam. Outra vez,
Eduardo está prestes a deixar o país, acompanhado, agora por Amália que se
tornara sua mulher. Novamente, o ataque da mesma polícia. Novamente, o correr
do sangue.
Entre
as duas cenas sangrentas, conduzindo o retrato da época, as tramas políticas, o
agir de um governante todo-poderoso, a
sanha da ditadura, o romance dos dois jovens. Romance cheio de lágrimas, medos
e presságios e em perfeito acordo com a dupla amorosa colmada de beleza física,
de perfeição de caráter, elegância e grandeza de sentimentos.
Amália
e Eduardo repetem modelos do romantismo europeu presentes, também, na estrutura
da obra e em alguns de seus temas secundários. Historiadores da Literatura
notam em Amália influências de Walter Scott, Chateaubriand e de
Byron. No entanto, não é sem razão que
no sub-título apareça, também a palavra “americano”.Porque, embora preso aos moldes orientadores dos “civilizados”,
José Mármol, arraigado no Continente, registrou a angústia e os desacertos de
seu país.
“Romance
político” chamou-o Luis Alberto Sánchez em Proceso y contenido de la novela
hispanoamericana pensando, certamente, nas duas facções – os unitários e
os federais – que se degladiam e dão ensejo a uma grandiloqüência de José
Mármol que, sem exagero, pode ser chamada de retórico do terror.
Como
os personagens reais ou fictícios e seus respectivos atos, cada uma das facções
é apresentada de maneira perfeitamente maniqueísta: pobres, ignorantes e
covardes, ladrões e assassinos são os federais, adeptos de Rosas. Oriundos da
elite econômica e cultural, os unitários são cultos, corajosos, leais, bondosos
e justos. Eduardo e Amália são unitários;
os que rodeiam Rosas, pessoas execráveis, são federais. Uma dicotomia
que, evidentemente, se reafirma em cada cena que mostra a prática sangrenta da
ditadura e a luta para destruí-la Nessa luta se engajou José Mármol. E a tal
ponto que sua obra é considerado por muitos, uma obra de ocasião - o que de resto não lhe tira o mérito – porque
desaparecido o ditador, o escritor emudeceu.
Não
o seu romance. As edições de Amália se sucederam. E outros escritores
lhe seguiram os passos e várias traduções foram feiras.
Sob
o signo da luta e do desejo de transformação, nascia com Amália o romance argentino.
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