domingo, 23 de junho de 1991

Um jornalismo para o Continente

            Nos anos setenta, o Continente foi pródigo em mordaças. Justificadas pelos que acreditavam fossem elas necessárias para impedir que as mazelas sociais provocadas pelo sistema se tornassem conhecidas.

            Exatamente no ano inicial  da sétima década foi premiada uma jornalista uruguaia na rubrica “Testemunho” da Prêmio Casa de las Américas. Suas entrevistas e reportagens fizeram com que emergissem do silêncio, vozes que a ele tinham sido condenadas.

            Lamento dos velhos que, trabalhando chegam ao fim da vida para terem direito a pensões tão miseráveis que mal chegam para o alimento. Passividade dos responsáveis  ao ignorar os albergues de crianças abandonadas que ali são depositadas como um pacote que logo é esquecido. Apelo dos que, na prisão, são donos, apenas, de um ócio degradante diante das oficinas de trabalho desativadas.

            Seguem- se as vozes dos que tentam lutar: os que partem para o exílio, os que fazem greve para conservar seus direitos, os que ousaram, pela ação, aspirar mudanças. Finalmente, a resposta do sistema com a prisão, a tortura, a morte dos seus opositores.

            Ao todo, são treze textos. Entrevistas e reportagens que, a partir de indivíduos marginais – o velho que junta papel, o adolescente analfabeto, o preso, a criança que trabalha, o operário em greve ou os que “disseram chega” e procuraram a saída na subversão – tentam mostrar um  retrato do país que  os donos do poder fazem de tudo para ocultar.

            Maria Ester Gilio fez o registro da miséria de muitos e das razões da luta de alguns no momento em que coexistiam: uma criança de oito anos, apenas alfabetizada que é obrigada a trabalhar, a atuação dos que não querem permitir que tal fato continue a existir e a proliferar, optando pela agressão à injustiça institucionalizada.

            As palavras que transcreve de uns e de outros, contundentes, expressam a realidade que, no entanto, é negada pelos bens pensantes. Os que aceitam com naturalidade que uma parcela da população  seja privada dos bens essenciais mínimos e vêem como perigosa transgressão os atos que tentam mudar as estruturas sociais perniciosas para os deserdados.

            Ao escrever entre 1965 e 1970 o que, então, acontecia, Maria Ester Gilio quis informar para transformar. Hoje, esses textos reunidos no livro La guerrilla tupamara (Havana, Casa de las Américas, 1970) é um livro de História.

            Verdadeiramente lido, em todo o espaço do Continente, poderia, sem dúvida, levar à ação.

Porém, os que mais teriam proveito com a sua leitura, são na sua maioria, analfabetos ou tolhidos pela pobreza e suas seqüelas, privados do hábito da leitura. E de uma leitura, que os donos do poder, com os seus sempre eficazes mecanismos de censura, certamente não terão nenhum interesse em permitir.

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