Um
trabalho que deveria existir em todo o território nacional, buscando soluções
para os nossos problemas de ensino, efetivamente se realiza – e quando isso
acontece – apenas nas ilhas de desenvolvimento que emergem de alguns
espaços privilegiados do país.
No entanto, apenas umas poucas instituições e
uns poucos professores trabalham pensando na comunidade. Tendo em vista sermos
milhões de brasileiros e que outros tantos são os problemas em que estamos
mergulhados, os trabalhos voltados para as necessidades e carências que nos
afligem podem representar contribuições valiosas. Uma delas, a de Maria Alice
Faria cuja produção científica, marcada por trabalhos especializados em
Literatura Comparada e por uma prática relacionada com o ensino da língua
francesa e portuguesa não a afastou de uma pesquisa comprometida com os
problemas do primeiro e segundo graus. Visando uma renovação no ensino da
língua materna, Maria Alice Faria cuja vida acadêmica, transcorrida, na sua
maior parte, em Marília e Assis, se iniciou na Universidade Federal de Santa
Catarina, propôs a utilização do jornal como material didático alternativo nas
atividades de língua portuguesa em sala de aula. Entre 1982 e 1987,
prelecionando em cursos de aperfeiçoamento para professores da rede estadual de
Ensino do Estado de São Paulo, orientou uma experiência didática que resultou
na elaboração do livro O jornal na sala de aula, editado pela Contexto
de São Paulo, em 1989.
Os dois
primeiros capítulos da obra mostram como, por meio de atividades, os alunos
adquirem conhecimentos sobre os aspectos materiais do jornal (elaboração,
composição, distribuição, dimensão, qualidade do papel, caracteres
tipográficos), sobre os detalhes de suas diferentes páginas (primeira página,
as que seguem, seus cabeçalhos, manchetes, lide, resumos, rubricas e
classificação de assuntos). Nos outros dois capítulos, também, através de
atividades, é aprofundado o conhecimento interno do jornal tendo, agora, por
base, a linguagem. No quinto e último capítulo, são apresentadas as principais
características de alguns gêneros
jornalísticos e sugerida a sua prática em jornais discentes. Cada uma das
tarefas preconizadas nesses capítulos se inscreve na “relação dialética
ler/escrever” não mais prisioneira dos textos sagrados e intocáveis que durante
décadas dominaram o ensino da língua materna.
Partindo
de fatos conhecidos e inegáveis – ter-se detido, sempre, o ensino da língua
materna no “modelo exclusivo” da língua dos bons autores e, ainda, ter-se
mantido o ensino da gramática da mesma forma tradicional apesar do espaço que,
na década de 70, foi concedido a textos assinados por autores contemporâneos
consagrados e por alguns oriundos dos
meios de comunicação de massa – Maria Alice Faria não se recusa, como a maioria
dos profissionais da área, a encarar esse ensino onde impera o conteúdo
purista, alienado da realidade de nosso tempo
e a metodologia anacrônica que o acompanha.
Ao
propor a substituição do texto literário que exige uma metodologia própria para o ensino da Literatura pelo texto jornalístico , endossando a posição de Mario Perini (Para
uma nova gramática do português, São Paulo, Ática, 1985), Maria
Alice Faria possui objetivos mais amplos. Não apenas oferecer aos estudantes um
modelo de língua padrão, coerente com o cotidiano do país e, de certa forma,
uniforme, mas leva-los à análise dos “recursos lingüísticos” que os jornalistas
utilizam para veicular sua mensagem e o que pode estar atrás dos processos
utilizados. Assim como das diferentes formas que pode adquirir a
informação a respeito dos mesmos feitos.
Enfatizando,
no capítulo três, as funções lingüísticas – referencial, emotiva e
interpelativa – presentes no texto jornalístico e, a partir dele, exemplificar
a influência que exercem no teor da
informação, Maria Alice Faria passa a outro nível de análise que realiza,
então, no capítulo seguinte: a comparação dos textos que tratam do mesmo fato.
Evidentemente,
um trabalho que envolve linguagem e ideologia jamais poderá ser cristalizado. E
reside aí, uma das suas qualidades: levar a uma renovação constante o estudo da
língua e de seus processos e conscientizar
que o conhecimento e domínio da
linguagem jornalística nos dá hoje um poderoso instrumento para se exercer o
direito de cidadania, ajudando-nos a compreender
e portanto influenciar o que se passa a nossa volta.
Sem
dúvida, são de extrema importância essas palavras de Maria Alice Faria nas
páginas finais do livro. Porque é necessário saber não somente ler, mas,
sobretudo, entender o que foi lido. Principalmente num país que desde as suas
origens cultiva a tendência de mascarar a realidade. Tanto aquela de seu
cotidiano como a que envolve os grandes problemas nacionais.
Igualmente
é imprescindível não esquecer que,
dificilmente, será resolvido o problema do ensino da língua materna ou de
qualquer outra disciplina sem que antes sejam resolvidos os principais
problemas do país.
Mas,
se os alfabetizados adquirirem, também,
o discernimento e o espírito crítico necessários para poderem, através da
informação que lhes é dada, entenderem o que se passa a seu redor e,
conseqüentemente, terem condições de se posicionar, não cabe dúvidas que terá
havido um avanço.

Nenhum comentário:
Postar um comentário