domingo, 16 de junho de 1991

Saber ler é preciso

            Como em tantas outras áreas prioritárias de nossa realidade, também na Educação, os esforços para ultrapassar os estágios de ineficiência, de improdutividade e das grandes lacunas representam um mínimo diante da imensidão que existe para vencer.

            Um trabalho que deveria existir em todo o território nacional, buscando soluções para os nossos problemas de ensino, efetivamente se realiza – e quando isso acontece – apenas nas ilhas de desenvolvimento que emergem de alguns espaços  privilegiados do país.

             No entanto, apenas umas poucas instituições e uns poucos professores trabalham pensando na comunidade. Tendo em vista sermos milhões de brasileiros e que outros tantos são os problemas em que estamos mergulhados, os trabalhos voltados para as necessidades e carências que nos afligem podem representar contribuições valiosas. Uma delas, a de Maria Alice Faria cuja produção científica, marcada por trabalhos especializados em Literatura Comparada e por uma prática relacionada com o ensino da língua francesa e portuguesa não a afastou de uma pesquisa comprometida com os problemas do primeiro e segundo graus. Visando uma renovação no ensino da língua materna, Maria Alice Faria cuja vida acadêmica, transcorrida, na sua maior parte, em Marília e Assis, se iniciou na Universidade Federal de Santa Catarina, propôs a utilização do jornal como material didático alternativo nas atividades de língua portuguesa em sala de aula. Entre 1982 e 1987, prelecionando em cursos de aperfeiçoamento para professores da rede estadual de Ensino do Estado de São Paulo, orientou uma experiência didática que resultou na elaboração do livro O jornal na sala de aula, editado pela Contexto de São Paulo, em 1989.

            Os dois primeiros capítulos da obra mostram como, por meio de atividades, os alunos adquirem conhecimentos sobre os aspectos materiais do jornal (elaboração, composição, distribuição, dimensão, qualidade do papel, caracteres tipográficos), sobre os detalhes de suas diferentes páginas (primeira página, as que seguem, seus cabeçalhos, manchetes, lide, resumos, rubricas e classificação de assuntos). Nos outros dois capítulos, também, através de atividades, é aprofundado o conhecimento interno do jornal tendo, agora, por base, a linguagem. No quinto e último capítulo, são apresentadas as principais características de alguns  gêneros jornalísticos e sugerida a sua prática em jornais discentes. Cada uma das tarefas preconizadas nesses capítulos se inscreve na “relação dialética ler/escrever” não mais prisioneira dos textos sagrados e intocáveis que durante décadas dominaram o ensino da língua materna.

            Partindo de fatos conhecidos e inegáveis – ter-se detido, sempre, o ensino da língua materna no “modelo exclusivo” da língua dos bons autores e, ainda, ter-se mantido o ensino da gramática da mesma forma tradicional apesar do espaço que, na década de 70, foi concedido a textos assinados por autores contemporâneos consagrados  e por alguns oriundos dos meios de comunicação de massa – Maria Alice Faria não se recusa, como a maioria dos profissionais da área, a encarar esse ensino onde impera o conteúdo purista, alienado da realidade de nosso tempo  e a metodologia anacrônica que o acompanha.

            Ao propor a substituição do texto literário que exige uma metodologia  própria para o ensino da Literatura  pelo texto jornalístico ,  endossando a posição de Mario Perini (Para uma nova gramática do português, São Paulo, Ática, 1985), Maria Alice Faria possui objetivos mais amplos. Não apenas oferecer aos estudantes um modelo de língua padrão, coerente com o cotidiano do país e, de certa forma, uniforme, mas leva-los à análise dos “recursos lingüísticos” que os jornalistas utilizam para veicular sua mensagem e o que pode estar atrás dos processos utilizados. Assim como das diferentes formas que pode adquirir a informação a respeito dos mesmos feitos.

            Enfatizando, no capítulo três, as funções lingüísticas – referencial, emotiva e interpelativa – presentes no texto jornalístico e, a partir dele, exemplificar a influência  que exercem no teor da informação, Maria Alice Faria passa a outro nível de análise que realiza, então, no capítulo seguinte: a comparação dos textos que tratam do mesmo fato.

            Evidentemente, um trabalho que envolve linguagem e ideologia jamais poderá ser cristalizado. E reside aí, uma das suas qualidades: levar a uma renovação constante o estudo da língua e de seus processos e conscientizar que o conhecimento  e domínio da linguagem jornalística nos dá hoje um poderoso instrumento para se exercer o direito de cidadania, ajudando-nos a compreender e portanto influenciar o que se passa a nossa volta.

            Sem dúvida, são de extrema importância essas palavras de Maria Alice Faria nas páginas finais do livro. Porque é necessário saber não somente ler, mas, sobretudo, entender o que foi lido. Principalmente num país que desde as suas origens cultiva a tendência de mascarar a realidade. Tanto aquela de seu cotidiano como a que envolve os grandes problemas nacionais.

            Igualmente é imprescindível  não esquecer que, dificilmente, será resolvido o problema do ensino da língua materna ou de qualquer outra disciplina sem que antes sejam resolvidos os principais problemas do país.

            Mas, se os alfabetizados adquirirem,  também, o discernimento e o espírito crítico necessários para poderem, através da informação que lhes é dada, entenderem o que se passa a seu redor e, conseqüentemente, terem condições de se posicionar, não cabe dúvidas que terá havido um avanço.

           

           

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