Um rosto bonito, visto agora de perfil por Laurinda.
Parecido com um camafeu de tão branco e bem recortado, um pescoço fino
amparando um queixo levemente adiantado em relação a toda a fisionomia, não de
feitio a empobrecer a figura, pois ainda lhe dá um ar mais nobre, o que é
complementado pela testa larga e ampla, pelo nariz fino e os beiços
arredondados. Luiz Antonio de Assis Brasil
Tem
as faces coradas, recende a alfazema ou a benjoim Os olhos claros de pestanas
longas, dentes brancos, lábios carnudos, voz cristalina. Camila, luminosa
figura feminina nascida da pena de um gaúcho, Luiz Antonio de Assis Brasil.
Autor
de uma trilogia, Um quarto de légua em quadro, Prole do corvo e Bacia
das almas, inscrita nos campos do Rio Grande do Sul e de mais três
romances, As virtudes da casa, O homem amoroso e Cães
de província, ao publicar, em 1983, Manhã transfigurada, assina a
sua melhor obra, uma das mais perfeitas da Literatura brasileira contemporânea.
Sua personagem
forma com Luiza de O primo Basílio e com Emma de
Madame Bovary a galeria das adúlteras. Como a personagem de Eça de
Queirós, que cheia de medos e de remorsos morre de uma febre cerebral e como a
de Gustave Flaubert que, acurralada pelas dívidas e pelo abandono dos amantes,
se suicida, Camila paga, também, muito caro, a sua transgressão. Com um preço,
porém, estipulado a sua revelia.
O
não se deixar morrer e o não se dar a morte, assim como o se
nortear, somente, pelo seu sentir, a afastam dos caminhos de Luiza e de Emma.
Ambas pertencem a um universo social definido – a pequena burguesia urbana e
rural – cujas leis elas transgridem daí advindo a punição. Camila, na mais
absoluta indiferença pelos valores que sustentam o mundo a que pertence,
volta-se, exclusivamente para si mesma.
É
regida por princípios apenas esboçados -
um amor filial que se põe à prova; algo de uma ambição que é,
sobretudo,ingênua; uma idéia vaga do papel que deve representar como mulher
casada - e que perdem o sentido diante
dos conflitos que nela se instalam. Repudiada pelo marido ao confessar uma
experiência amorosa anterior ao casamento, mais do que a sua cólera ou o
possível desprezo e a vergonha certa dos pais, o que a aterroriza é a dúvida
sobre a própria feminilidade. Então, sim, é como se tudo desaparecesse para
somente ela existir, feita de ânsias e urgências.
Na
pequena cidade, presa entre quatro
paredes, dona absoluta dos jogos de sedução, torna-se senhora daquele que lhe
fora impor ordens e punições. E dele faz uso. Não é conquistada, mas conquista.
Uma inusitada inversão de papéis que, não apenas a isenta de ser vítima do
amor, como faz dela uma das grandes amorosas da Literatura brasileira.
O
vazio amoroso que lhe impõe o marido a conduz à plena expressão que ela se
concede a si mesma para desabrochar, plena de feminilidade, nos braços do amante.
Uma
bela história de amor onde a mulher é (quase ) soberana. Nas entrelinhas, o ritual religioso, os preconceitos, as
discutíveis leis que sempre imperam para os mais fracos.

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