Eduardo
Galeano conta-lhe a tragédia em El libro de los abrazos. A do homem
procurado pelas forças da repressão que, não o encontrando, carregam, em seu
lugar, os filhos. Torturada, devolvem a
filha. O filho e sua companheira grávida nunca mais voltaram. E Galeano se
pergunta, ao longo desses anos todos que já passaram, como pode um pai
sobreviver sem que se lhe apague a alma
não somente diante da grande ausência mas face a essa terrível sensação de vida usurpada.
Juan
Gelman, o poeta, sobreviveu e não se
calou. Continua a exercer o seu ofício no irreversível e cruel cotidiano que
lhe coube. Até porque, muitos anos antes, embora sem o ter sentido na própria
carne, ele havia sido presa da dor dos outros. A dor que no Continente, tantas
vezes, advém de um destino comandado por estruturas injustas contra as quais
ele se insurgiu optando, no desejo de destruí-las, pela facção mais drástica de
luta.
E,
seguindo sua vocação primeira, por uma
poesia que não se encerra no individualismo adolescente mas canta a
cidade onde nasceu e as vítimas da violência urbana: os que estão sem trabalho,
os que, dos andaimes, voam para o abismo sem volta.
Roberto, José, Antonio, Juan, Esteban / sob seus nomes de pedreiros foram embora da
vida estrofe de “ Accidente en la
construción”, poema que faz parte do livro El juego em que andamos,
publicado em 1959. Tema que vai reaparecer em 1962, quando publica Gotán
e, nele, “ Pedro el albañil.”. O poema, nas suas quatro estrofes, conta esse
viver de Pedro que, levantando paredes e imaginando o que iriam conter entre
elas – ódio, amor –, cantava e tinha as mãos endurecidas e as palavras de
ternuras e de tristezas. De noite punha
as mãos para dormir.
Um dia, ele caiu do andaime. Morto,
parecia ter, ainda, contida na garganta um pergunta enquanto, em silêncio, seus
companheiros esperavam. Até vir a ordem: Levem
o defunto. Em Pedro, útil
enquanto mãos laboriosas, indesejável máquina parada quando morto, se desenham
os trabalhadores deste Continente sem leis.
Na
busca de uma real justiça social é que Juan Gelman, nascido em 1930, em Buenos
Aires, se quer poeta e militante.
Saberia
ele que, ao escolher o seu caminho – poetar testemunhando sofrimentos, buscar a
paz e o alimento para os outros – o levaria, mais tarde, ao abismo sem retorno
que se tornou sua vida dominada pelas ausências?
Nenhum comentário:
Postar um comentário