domingo, 21 de abril de 1991

Orações

            “Oración de um desocupado” e “Oración”, poemas sínteses de uma poesia que emana do amor. Daquele que une o poeta aos marginalizados, aos silenciados e daquele que o habita, ancorado no corpo e na alma da mulher amada.
            Desde muito jovem, Juan Gelman procurou uma nova linguagem poética, alimentada no falar cotidiano. Ao se definir politicamente – homem e cidadão dedicado à militância política – nessa  linguagem que encontrou, vai falar de um universo cuja existência deveria, no entender de alguns, permanecer nas brumas.
            Trazendo-os  à luz, faz versos sem inocência onde afloram suas convicções. Enovelados nessa luta pelo viver dos outros que escolheu, suas convicções acabaram por lhe trazer dias de sofrimento irremediavelmente cruéis.
 
            O  pequeno livro que, em 1968, a Casa de las Américas publicou na sua coleção La Honda, se compõe de poemas pertencentes a vários livros anteriores – Violín y otras cuestiones, El juego em que andamos, Velórios del solo, Gotán, Cólera buey – que apareceram entre 1956 e 1965. Nele, sobressai um  lirismo que diante das coisas simples  e cotidianas, se fixa no homem que as habita e  é depositário das injustiças: o que faz greve e olha para as mãos paradas, o que vai-se embora da vida sob o seu nome de pedreiro, o que foge, o que foi preso, o que mata para se defender, o que morre para que haja futuro.
            “Oración de um desocupado” se inicia com um verso  feito apenas da palavra “padre” (pai). Com ela invoca não o padre eterno como poderia sugerir o título do poema, mas o pai, já morto e que talvez esteja no céu. Invoca não para pedir ou para esperar porque, certamente, nem forças tem para crer. Invoca para se queixar da fome, do frio, da fúria da cidade. Invoca para interrogar o pai e, sobretudo, para se interrogar: te digo que não entendo, Pai. Nas suas interrogações, as de um homem perdido e sem caminho,  o germe da violência, o nascimento do animal furioso que só tem a raiva como amparo e arma.
            “Oración” é o poema para a amada. Pede ou ordena ser possuído. Os versos límpidos, de uma aparente ingenuidade adolescente, deixam perceber a entrega maior de quem já se entregou e que se compraz na entrega. Almejando a posse que, então, será a trégua, talvez. Não isenta, porém, de ameaça, sombra escura, condição humana, sempre: A solidão, seus corvos, seus cães, seus pedaços, versos que finalizam o poema.
            Como se invocar ou ordenar ou pedir pudesse ser talismã  para a vida no Continente. Vida que está aí, próxima, furiosa, injusta.
            Juan Gelman, nascido em Buenos Aires em 1930, ainda espera ou, pelo menos, num momento de sua vida, acreditou esperar:  
                                        Na cidade que geme como louca
                                               o amor conta baixinho
                                               os pássaros que morreram contra o frio,
                                               as prisões, os beijos, a solidão, os dias
                                               que faltam para a revolução. 

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