“Oración
de um desocupado” e “Oración”, poemas sínteses de uma poesia que emana do amor.
Daquele que une o poeta aos marginalizados, aos silenciados e daquele que o
habita, ancorado no corpo e na alma da mulher amada.
Desde
muito jovem, Juan Gelman procurou uma nova linguagem poética, alimentada no
falar cotidiano. Ao se definir politicamente – homem e cidadão dedicado à
militância política – nessa linguagem
que encontrou, vai falar de um universo cuja existência deveria, no entender de
alguns, permanecer nas brumas.
Trazendo-os à luz, faz versos sem inocência onde afloram
suas convicções. Enovelados nessa luta pelo viver dos outros que escolheu, suas
convicções acabaram por lhe trazer dias de sofrimento irremediavelmente cruéis.
O
pequeno livro que, em 1968, a Casa de
las Américas publicou na sua coleção La Honda, se compõe de poemas pertencentes
a vários livros anteriores – Violín y otras cuestiones, El
juego em que andamos, Velórios del solo, Gotán, Cólera
buey – que apareceram entre 1956 e 1965. Nele, sobressai um lirismo que diante das coisas simples e cotidianas, se fixa no homem que as habita e
é depositário das injustiças: o que faz
greve e olha para as mãos paradas, o que vai-se embora da vida sob o seu nome
de pedreiro, o que foge, o que foi preso, o que mata para se defender, o que
morre para que haja futuro.
“Oración
de um desocupado” se inicia com um verso
feito apenas da palavra “padre” (pai). Com ela invoca não o padre eterno
como poderia sugerir o título do poema, mas o pai, já morto e que talvez esteja
no céu. Invoca não para pedir ou para esperar porque, certamente, nem forças
tem para crer. Invoca para se queixar da fome, do frio, da fúria da cidade.
Invoca para interrogar o pai e, sobretudo, para se interrogar: te digo que não entendo, Pai. Nas suas interrogações, as de um homem perdido e sem
caminho, o germe da violência, o
nascimento do animal furioso que só tem a raiva como amparo e arma.
“Oración”
é o poema para a amada. Pede ou ordena ser possuído. Os versos límpidos, de uma
aparente ingenuidade adolescente, deixam perceber a entrega maior de quem já se
entregou e que se compraz na entrega. Almejando a posse que, então, será a
trégua, talvez. Não isenta, porém, de ameaça, sombra escura, condição humana,
sempre: A solidão, seus corvos, seus cães, seus pedaços, versos
que finalizam o poema.
Como
se invocar ou ordenar ou pedir pudesse ser talismã para a vida no Continente. Vida que está aí,
próxima, furiosa, injusta.
Juan
Gelman, nascido em Buenos Aires em 1930, ainda espera ou, pelo menos, num
momento de sua vida, acreditou esperar:
Na
cidade que geme como louca
o
amor conta baixinho
os
pássaros que morreram contra o frio,
as
prisões, os beijos, a solidão, os dias
que
faltam para a revolução.
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