As
estatísticas oficiais referem ou como três ou como cinco por cento a mestiçagem
no Uruguai e nessa porcentagem estão incluídos, também, os negros.
Esse número,
tão pequeno, que se dilui entre o número de mestiços e o de uma população
branca dominante, não foi razão suficiente para marginalizar os negros das
expressões artísticas do país. Na poesia, é tema de Idelfonso Pereda Valdés; na
prosa, figura central da narrativa de Mario Delgado Aparaín.
Nascido no
interior do Uruguai, um dos mais importantes representantes da narrativa
contemporânea de seu país, é, certamente, um inovador. Um inovador da linguagem
que permanece fiel à expressão popular cujo registro é enriquecido por uma
criatividade impermeável às influências forâneas e aos modismo e que se nutre
das próprias vivências.
Enraizado na sua paisagem
e nos homens que dela fazem parte, sua narrativa flui de um universo do Continente ainda não contaminado e do qual
ele extrai facetas que só uma sensibilidade privilegiada permite discernir e
mensurar.
No primeiro
livro que publicou, Causa de buena muerte (Arca, Montevideu, 1982), o
pequeno conto que lhe dá o título, congrega essas duas qualidades e outra,
igualmente, admirável: a construção do personagem a partir de um humilde
detalhe, de um pequeno traço, que, haja
visto a sua expressividade, se mostram
suficientes para conceder-lhe a força das criaturas inesquecíveis.
“Causa de
buena muerte” é um conto de quatro páginas e construído em cinco tempos. Um
texto inicial resume o destino do negro
Peixoto. Morreu bêbado e afogado no rio por não querer trançar um laço para o
filho do patrão. Seguem-se quatro narrativas, quatro versões dessa morte: a do
delegado, a da viúva, a do filho do
patrão e a do negro que falou com Peixoto depois de
morto. Cada uma dessas vozes, narra o episódio a partir de um
determinado ângulo e numa linguagem que se integra, perfeitamente, com o
personagem que o enuncia: o delegado, relatando a parte; a mulher, contando
como o encontrou, depois de uma ausência de dias em que esteve ausente por ter
ido parir na vila; o filho do patrão, dizendo que atingiu Peixoto com o látego;
o negro que pescava e viu Peixoto sob as águas, esclarecendo as razões de seu
suicídio: haver sido marcado no rosto pelo chicote do filho do patrão, não
poder matá-lo para lavar a ofensa, nem tampouco poder continuar vivendo com
essa marca no rosto. No relato de cada um, acrescentando-se, os elementos que
desenham os personagens. Apresentado como aquele que se afogou por excesso de
bebida, revela-se, nas palavras do pescador, um homem que deve matar para poder
usufruir do respeito que se deve a si mesmo. Para não matar, opta pelo
suicídio. Entra rio adentro, deixando na margem a mulher com o filho recém
nascido.
Mario Delgado
Aparaín é um escritor branco que ficou imune ao maniqueísmo piedoso que, em
geral, rege o texto sobre as minorias oprimidas.E isto, também, o coloca num
lugar de destaque na Literatura do Continente.
Peixoto, o seu
personagem é um homem submisso aos valores da hombridade (deve-se ter o
discernimento do touro, não do boi) e submetido às leis de uma sociedade
estratificada em classes ( se o rico bater no rosto do pai, mais tarde, baterá
no rosto do filho) .Ele, apenas, quis permanecer inteiro.
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