Parece
que as muralhas são intransponíveis e intocáveis, para sempre, como se uma
força superior o tivesse assim determinado. Para que permaneçam separados e
vivendo cada um o seu destino: os homens. Os escolhidos, aqueles que usufruem
de todos os bens que a sociedade, hoje, oferece aos que possuem poder
aquisitivo. E os outros, os que jamais conseguem suprir as suas necessidades mais
elementares.
No
Continente, um obvio escandalosamente injusto para alguns, perfeitamente lógico
para outros e que determina as relações dos humanos e alimenta uma Literatura
quase sempre prenhe de intenções.
Retomando
essa dicotomia, tema como que obrigatório nas Letras do Continente, Armonía
Somers a encerra numa estrutura e numa linguagem que fazem de “Muerte por alacrán”, algo verdadeiramente
inusitado e de rara qualidade não somente no Uruguai, seu país de origem, mas
em toda a Literatura latino-americana.
O
conto se inicia com o diálogo de dois motoristas que estão levando um
carregamento de lenha para uma casa de campo. Sofrem com o tremendo calor de
verão que reverbera na estrada, porém, mais que tudo, pela presença de um
escorpião que deslizara pelo meio da lenha. Com medo, eles a descarregam na
cozinha e em cada peça da casa onde a lareira o exigia. Além do pagamento,
tiveram direito a uma limonada e à licença para lavar o rosto. Por conta
própria, a extasiar-se com o luxo da casa, imensa, rodeada de jardins e que
servia a seus donos apenas uma poucos dias por ano. Antes de partir,
sentindo-se sobreviventes felizes, lembraram-se de avisar da conveniência de
ter cuidado com o escorpião que lá ficara entre
algum pedaço de madeira.
Inicia-se,
então, para o mordomo, a luta para encontrá-lo. Procura-o em cada detalhe dos
quartos para tentar impedir que alguém da casa sofra a mortal picada.
Não
encontra o escorpião mas o veneno – cada qual a seu modo - que destilam os habitantes da casa através
dos objetos que lhe pertencem: o dono que enriqueceu usando todos os meios
escusos cabíveis, a exuberante mulher que o atraiçoa, a filha adolescente que
não recua diante dos chamados do sexo seja de onde vierem.
Diante
das realidades que a busca lhe dá ensejo de encontrar, o mordomo vai perdendo
as forças até ficar sem sentido. Então, os ricos proprietários voltam do
passeio. Os relógios batem as horas. O mundo deles não fora desordenado.
Na estrada,
no meio o calor e sem medo, os motoristas filosofam: - Porcos, a casa que tinham para ir só de vez em quando... Merecem ser
picados por um escorpião, que rebentem de
uma vez, filhos de uma cadela...
No
estofamento, bem perto da pele de um deles que é seu alvo, o escorpião avança.
Quem é ele para mudar a ordem estabelecida?
Porque
dos motoristas, sim, o mundo é vulnerável.

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