
Nesse
seu primeiro romance, Gioconda Belli, que dez anos antes havia recebido o
prêmio de poesia da Casa de las Américas, narra o compromisso de homens e
mulheres com a Revolução Sandinista .O texto, publicado em América
Viva, ao qual a compiladora da obra,
Iosu Perales, deu o título de “Acta de
la Resistência” é o monólogo de Itzá,
indígena que, em forma de laranjeira, habita a casa e a alma de Lavinia,
mulher de nosso tempo, revolucionária em busca
da emancipação total de seu país.
Itzá
nasceu quando os espanhóis já haviam chegado na América. Também ficou fascinada
pela sua imagem quando, pela primeira vez a viu num espelho. Já era, então,
mulher de Yarince, o cacique. Havia-lhe seguido os passos por amor e para lutar
contra os espanhóis. Morreu quando, de seu grupo de resistência, já restavam
poucos. Esvaiu-se em sangue nas margens do rio. Morta, foi levada para repousar
na terra e esperar que os séculos passassem para cumprir o desígnio dos deuses: tornar à vida
sob forma de vegetal.
O
momento chegado, Itzá obedece: penetrei
na árvore, no seu sistema sangüínio, a percorri como uma longa carícia de seiva
e de vida, num abrir de pétalas, num estremecimento de folhas.
A
árvore, então, voltou a nascer, habitada por sangue de mulher. E, Itzá
torna a ver a luz no jardim de Lavinia, combatente sandinista. Olha para esses
contornos de muros largos, de arbustos recém cortados, de flores que nascem em
vasos, para essa mulher, Lavinia, que é jovem e alta, bela nos seus cabelos
escuros e no seu o andar das mulheres da tribu.
Presa
nas suas raízes, percorrida pela seiva no trabalho de transformar as flores em
frutos, Itzá espera o momento de se encontrar com Lavinia. E lembra da vida que viveu: os dias de amor com
o guerreiro, a luta para se livrar da indignidade da submissão, imposta pelos
invasores espanhóis que dos índios fazem escravos e da terra conquistada,
somente fonte de riquezas.
Nesse
recordar, Itzá sabe quem é e sabe quem são os seus: sabíamos medir o movimento dos astros, escrever sobre tiras de couro de
gazelas, cultivávamos a terra, vivíamos em grandes assentamentos à beira dos
grandes lagos, caçávamos, fiávamos, tínhamos
escolas e festas sagradas. Dos outros, sabe, apenas, pelos atos que
praticam: dizem mentiras, matam homens, prostituem mulheres, impõem um deus
estranho e novos códigos de guerra, orientados pela hipocrisia e pelo engano.
Mas,
foram eles, os vencedores. Os que sempre puderam falar, os que sempre contaram
a conquista e os que, agora, festejam os quinhentos anos de sua presença na
América.
No
entanto, para que a América, para que o Continente viva, é urgente que se
ouçam, também, as outras vozes. O ser-lhes permitido elevar-se para serem
escutadas, irá significar, certamente, para usar a expressão de Roberto
Fernández Retamar, despedir-se da
pré-história. O que, talvez, não seja fácil, nem conveniente, ouvir para os
que sempre dominaram, sempre usurparam.
Os
vencidos do Continente que o digam.
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