domingo, 22 de julho de 1990

Na ficção, um programa de desenvolvimento


            Em 1994 , fará um século da publicação de Beba. Seu autor, Carlos Reyles, romancista uruguaio, tinha vinte e seis anos e, herdeiro de importantes propriedades rurais, procurava cumprir a promessa feita a seu pai, levando adiante a modernização empreendida nas lides do campo.

            O que ele realizava na sua estância – implantação de novos métodos na criação do gado e na produção agrícola - foi sendo registrado no romance que não apenas fixou a realidade sócio-econômica uruguaia dos últimos anos do século XIX como uma postura crítica em relação a ela,  assumida pelo personagem masculino principal, Gustavo Ribero

Dono da estância “El Embrión”, ele deseja desembaraçá-la da espontânea e quase selvagem maneira com que era explorada, adotando métodos racionais. Suas idéias, e como ele as coloca em prática são, claramente, expostas em vários capítulos ou pelo narrador ou pelo próprio personagem que insiste na necessidade de planejar a reprodução dos animais, visando o aprimoramento das raças. Assim, num capítulo são relacionadas as modificações feitas na fazenda naquilo que concerne aos potreiros e aguadas, surgidas da necessidade de separar o gado; as mudanças com respeito às plantações e ao maquinário; as novas tarefas  então resultantes. Noutro capítulo, são explicados os livros de genealogia do gado em que eram anotadas as informações sobre os animais, os rodeios e os resultados das reproduções. Mais adiante, as justificativas para a construção de novos galpões que serviriam para alojar o gado selecionado.

            Entremeando as explanações, sempre perfeitamente didáticas porque pretendem esclarecer ou convencer os outros personagens e, mais do que tudo, os leitores, vai-se desenrolando uma história feita de planos de trabalho e de vitórias financeiras futuras, de desencantos conjugais, dos fúteis interesses de indivíduos abastados cuja única preocupação é achar a melhor forma de passar o tempo.

            Nesse quase não acontecer e, aos poucos, sentimentos começam a se descobrir. O inesperado transbordar impetuoso do rio, provocando sustos  diante dos perigos faz com que irrompam as paixões proibidas. Logo após a felicidade, se instala o drama e com a partida do amante, a tragédia feminina.

            Algum crítico afirmou ter tido o romance um final fácil: como um cientista, o autor teria, após a experiência,  abandonado seus personagens. Outro crítico elogia o autor,  por ter eludido a facilidade de um final feliz  ao levar o personagem masculino pelos caminhos da Europa e o personagem feminino para o suicídio, única saída que encontrou para  fugir à solidão.

            No entanto, talvez a verdade, é que para Carlos Reyles, eles pouco importam. Beba e Gustavo existem como estereótipos. Eles se completam, pensam igual, se expressam com as mesmas razões, procuram os mesmos alvos. Pouco escutam, mal escutam ou, simplesmente, ignoram as palavras daqueles que duvidam de seus entusiasmos, de suas certezas visando o aperfeiçoamento dos rebanhos e, conseqüentemente, um progresso que – e disso eles também estão conscientes – não será somente do indivíduo, mas do país. Nós não temos no Uruguai nem agricultura importante, nem qualquer tipo de indústria; tudo, pois, devemos esperar do gado; graças a ele chegaremos a ser fortes e livres, diz Gustavo Ribeiro.

            Como outrora, na América, os poetas românticos eram também soldados que lutavam pela libertação de seu país, assim Carlos Reyles lutou, até onde lhe foi possível, para introduzir a técnica, o racional, o método no seu estabelecimento rural.  Embora válido, mais do que as circunstâncias, as opções pessoais – viagens à Europa  e delegar a terceiros a administração de seus bens – o conduziram, no entanto,  ao fracasso. Ao fracasso, também, foi levado Gustavo Ribeiro, seu personagem.

            Ficou o romance. Beba é certamente imperfeito como obra de ficção. Porém se o programa que apresenta não se transformou em vitória para o personagem e se o autor, como estancieiro, acreditando nele, tampouco obteve, o que pregou continua válido.

            Porque no Continente, em torno a suas parcas ilhas de desenvolvimento, é como se o tempo não tivesse passado e tudo continuasse como sempre foi: espaço onde a pobreza, a inércia e a ignorância da maioria de seus habitantes impedem um progresso que tampouco é almejado pelos que, seja  com o progresso e o  desenvolvimento ou não do país, detém o poder e as riquezas.

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