Em
1994 , fará um século da publicação de Beba. Seu autor, Carlos Reyles,
romancista uruguaio, tinha vinte e seis anos e, herdeiro de importantes
propriedades rurais, procurava cumprir a promessa feita a seu pai, levando
adiante a modernização empreendida nas lides do campo.
O
que ele realizava na sua estância – implantação de novos métodos na criação do
gado e na produção agrícola - foi sendo registrado no romance que não apenas
fixou a realidade sócio-econômica uruguaia dos últimos anos do século XIX como
uma postura crítica em relação a ela,
assumida pelo personagem masculino principal, Gustavo Ribero
Dono da
estância “El Embrión”, ele deseja desembaraçá-la da espontânea e quase selvagem
maneira com que era explorada, adotando métodos racionais. Suas idéias, e como
ele as coloca em prática são, claramente, expostas em vários capítulos ou pelo
narrador ou pelo próprio personagem que insiste na necessidade de planejar a
reprodução dos animais, visando o aprimoramento das raças. Assim, num capítulo
são relacionadas as modificações feitas na fazenda naquilo que concerne aos
potreiros e aguadas, surgidas da necessidade de separar o gado; as mudanças com
respeito às plantações e ao maquinário; as novas tarefas então resultantes. Noutro capítulo, são
explicados os livros de genealogia do gado em que eram anotadas as informações
sobre os animais, os rodeios e os resultados das reproduções. Mais adiante, as
justificativas para a construção de novos galpões que serviriam para alojar o
gado selecionado.
Entremeando
as explanações, sempre perfeitamente didáticas porque pretendem esclarecer ou
convencer os outros personagens e, mais do que tudo, os leitores, vai-se
desenrolando uma história feita de planos de trabalho e de vitórias financeiras
futuras, de desencantos conjugais, dos fúteis interesses de indivíduos
abastados cuja única preocupação é achar a melhor forma de passar o tempo.
Nesse
quase não acontecer e, aos poucos, sentimentos começam a se descobrir. O
inesperado transbordar impetuoso do rio, provocando sustos diante dos perigos faz com que irrompam as
paixões proibidas. Logo após a felicidade, se instala o drama e com a partida
do amante, a tragédia feminina.
Algum
crítico afirmou ter tido o romance um final fácil: como um cientista, o autor
teria, após a experiência, abandonado
seus personagens. Outro crítico elogia o autor,
por ter eludido a facilidade de um final feliz ao levar o personagem masculino pelos
caminhos da Europa e o personagem feminino para o suicídio, única saída que
encontrou para fugir à solidão.
No
entanto, talvez a verdade, é que para Carlos Reyles, eles pouco importam. Beba
e Gustavo existem como estereótipos. Eles se completam, pensam igual, se
expressam com as mesmas razões, procuram os mesmos alvos. Pouco escutam, mal
escutam ou, simplesmente, ignoram as palavras daqueles que duvidam de seus
entusiasmos, de suas certezas visando o aperfeiçoamento dos rebanhos e,
conseqüentemente, um progresso que – e disso eles também estão conscientes –
não será somente do indivíduo, mas do país. Nós
não temos no Uruguai nem agricultura importante, nem qualquer tipo de
indústria; tudo, pois, devemos esperar do gado; graças a ele chegaremos a ser fortes e livres, diz Gustavo Ribeiro.
Como
outrora, na América, os poetas românticos eram também soldados que lutavam pela
libertação de seu país, assim Carlos Reyles lutou, até onde lhe foi possível,
para introduzir a técnica, o racional, o método no seu estabelecimento
rural. Embora válido, mais do que as
circunstâncias, as opções pessoais – viagens à Europa e delegar a terceiros a administração de seus
bens – o conduziram, no entanto, ao
fracasso. Ao fracasso, também, foi levado Gustavo Ribeiro, seu personagem.
Ficou
o romance. Beba é certamente imperfeito como obra de ficção. Porém se o
programa que apresenta não se transformou em vitória para o personagem e se o
autor, como estancieiro, acreditando nele, tampouco obteve, o que pregou
continua válido.
Porque
no Continente, em torno a suas parcas ilhas de desenvolvimento, é como se o
tempo não tivesse passado e tudo continuasse como sempre foi: espaço onde a
pobreza, a inércia e a ignorância da maioria de seus habitantes impedem um
progresso que tampouco é almejado pelos que, seja com o progresso e o desenvolvimento ou não do país, detém o poder
e as riquezas.

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