Publicado
em 1933, Sombras sobre la tierra, de Francisco Espínola, mais do que um
romance sobre o bordel e suas mulheres, é uma narrativa que se propõe fixar
tipos e retalhos de vida de uma pequena cidade do interior do Uruguai. Mais
exatamente, daqueles que fazem parte do “Baixo”e povoam os prostíbulos e os
botequins, antítese ou complemento do “Centro”, espaço das famílias, da Igreja,
do Clube.
Conduzindo
a narrativa, dois personagens: Juan Carlos e Nena. Ele pertence ao “Centro”,
ela, ao “Baixo”. Ambos, jovens que se deixam viver. Nena, passivamente, sem
esperanças, espera. Juan Calos se debate em dúvidas, e preso, ainda, ao
passado, se mostra incapaz de enfrentar um futuro.
Habitante,
também, do “Baixo” e seguindo suas leis, Milonguita. Desde as primeiras
palavras do romance – Ela dobra a esquina
porque, num rancho a meia quadra dali, mora um cãozarrão mau e que avança
- o narrador lhe acompanha os passos e a
partir de seu itinerário vai desvendando as trilhas, as ruelas, a principal
delas que morre no barranco da estrada de ferro; anotando os cheiros de terra
úmida que a noite exala, os latidos e o ressoar dos cascos que a povoam; descrevendo
o botequim, seu balcão, sua luz escassa, seu dono, um gigante caolho e de
cabelos compridos. E, fixando gestos. O do bêbado que faz festas em Milonguita, do outro que lhe paga biscoitos,
de um terceiro que a acaricia. Como ela se afasta para acompanhar até a cadeia, um velho amigo que está indo
preso; e a sua volta para casa onde lhe
arrumam a cama: Ela se enfia dentro do pequeno caixote,
tranqüilizando-se. E fecha os olhos, feliz.
Nestas primeiras seqüências do livro
Milonguita parece ser um pretexto para mostrar um mundo e seus
habitantes. No relato que se segue, esse mundo se amplia, destinos se cruzam,
se unem, se separam, marcados pela desgraça, pela tristeza, pelo fastio.
No
“Centro”, as moças de família deixam passar seus melhores anos, esperando – sem
perigos para a honra – pelo noivo que economiza para o casamento. No “Baixo”,
as mulheres se contentam com um ou outro momento de felicidade. Ao redor delas,
procurando por elas, os homens bebem, por vezes se interrogam sobre o sentido
da vida.
Um
mundo em que o ser feminino ou fenece à espera do amor ou, vítima dele, se
transforma – na medida em que não possui o seu corpo, sempre à venda, e nem os seus sentimentos - em sombras.
Mimada
por todos, livre de passear e ver tudo o que a rodeia, liberada para o amor
porque os de sua espécie não são regidos pelas leis humanas, Milonguita: É de pelo branco, a cachorra. Com uma
espécie de gravata preta ao redor do pescoço.
Única
imagem luminosa nesse mundo desbotado e triste.

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