domingo, 8 de julho de 1990

Milonguita (para Pamela)



            Publicado em 1933, Sombras sobre la tierra, de Francisco Espínola, mais do que um romance sobre o bordel e suas mulheres, é uma narrativa que se propõe fixar tipos e retalhos de vida de uma pequena cidade do interior do Uruguai. Mais exatamente, daqueles que fazem parte do “Baixo”e povoam os prostíbulos e os botequins, antítese ou complemento do “Centro”, espaço das famílias, da Igreja, do Clube.

            Conduzindo a narrativa, dois personagens: Juan Carlos e Nena. Ele pertence ao “Centro”, ela, ao “Baixo”. Ambos, jovens que se deixam viver. Nena, passivamente, sem esperanças, espera. Juan Calos se debate em dúvidas, e preso, ainda, ao passado, se mostra incapaz de enfrentar um futuro.

            Habitante, também, do “Baixo” e seguindo suas leis, Milonguita. Desde as primeiras palavras do romance – Ela dobra a esquina porque, num rancho a meia quadra dali, mora um  cãozarrão mau e que avança -  o narrador lhe acompanha os passos e a partir de seu itinerário vai desvendando as trilhas, as ruelas, a principal delas que morre no barranco da estrada de ferro; anotando os cheiros de terra úmida que a noite exala, os latidos e o ressoar dos cascos que a povoam; descrevendo o botequim, seu balcão, sua luz escassa, seu dono, um gigante caolho e de cabelos compridos. E, fixando gestos. O do bêbado que faz festas em  Milonguita, do outro que lhe paga biscoitos, de um terceiro que a acaricia.  Como    ela se afasta para acompanhar  até a cadeia, um velho amigo que está indo preso;  e a sua volta para casa onde lhe arrumam a cama: Ela se enfia dentro do pequeno caixote, tranqüilizando-se. E fecha os olhos, feliz.  Nestas primeiras seqüências do livro  Milonguita parece ser um pretexto para mostrar um mundo e seus habitantes. No relato que se segue, esse mundo se amplia, destinos se cruzam, se unem, se separam, marcados pela desgraça, pela tristeza, pelo fastio.

            No “Centro”, as moças de família deixam passar seus melhores anos, esperando – sem perigos para a honra – pelo noivo que economiza para o casamento. No “Baixo”, as mulheres se contentam com um ou outro momento de felicidade. Ao redor delas, procurando por elas, os homens bebem, por vezes se interrogam sobre o sentido da vida.

            Um mundo em que o ser feminino ou fenece à espera do amor ou, vítima dele, se transforma – na medida em que não possui o seu corpo, sempre à venda,  e nem os seus sentimentos - em sombras.

            Mimada por todos, livre de passear e ver tudo o que a rodeia, liberada para o amor porque os de sua espécie não são regidos pelas leis humanas, Milonguita: É de pelo branco, a cachorra. Com uma espécie de gravata preta ao redor do pescoço.

            Única imagem luminosa nesse mundo desbotado e triste.

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