Porto
Príncipe, capital do Haiti, se encrava entre as montanhas e o mar. Bairros
claros e floridos, ruas comerciais cheias de luz. Em volta, a miséria.
Em
1961, Jacques Stephen Alexis tenta organizar a luta contra o governo que mantém
essa miséria. É preso, torturado e morto. Seis anos antes, pela Gallimard de
Paris, havia publicado Compère Général Soleil, uma obra que o revela um
grande ficcionista e um grande poeta, sensível ao universo que o rodeia. Um
universo que é feito de luzes e de sombras.
No
“prólogo”que antecede as três partes de Compère Général Soleil – do qual
se diz ser um romance iluminado pela alegria de viver – dominam as sombras. O
negro Hilarion, sombra mais negra do que a noite, um negro azul de tão escuro, de tão preto,
percorre as ruelas do velho bairro azul-negro.
A noite está deserta, escura e silenciosa. O céu é cor de ébano, as nuvens que
anunciam o amanhecer aparecem em tons violáceos. Descalço, esfarrapado,
faminto, Hilarion sai do bairro
Nan-Palmiste que apodrece como uma ferida
arruinada nos flancos de Porto Príncipe. Deixa para trás as casas feitas de
caixote, os odores pantanosos, os ruídos dos tambores. Morto de fome, decide
penetrar no espaço dos ricos para roubar. E a casa estava lá, branca, no meio
da folhagem. Invadi-la e roubar do seu
dono adormecido irá selar o seu destino. Verdadeiro conto a anteceder a
narrativa, o “Prólogo” acompanha os passos de Hilarion, fixa o lugar da miséria
e, brevemente, o lugar da riqueza onde o supérfluo é tão acintoso quanto mais
convive com a falta do mais absoluto necessário. Pequenas notas descritivas se
acrescentam à narrativa para tornar inconfundível um pedaço do Continente onde
a miséria e a alegria se expressam pelo som dos tambores. Pequenas digressões
sobre a miséria impedem esquecer que não é somente no Haiti que ela existe.
Nessa
prosa em que a emoção não afasta mas reforça, um realismo cuja crueldade o
torna passível de ser confundido com o fantástico, se inserem breves textos
poéticos que falam da noite. Uma noite que avança para a aurora, assim como o
negro Hilarion avança para o seu destino. Quando o “Prólogo” termina,ambos
foram vencidos. A noite, pela claridade; o homem, pela fome.
Então,
se inicia, no primeiro capítulo, a história de Hilarion. Uma vida inteira de
maus tratos para encontrar, um dia, o ideal de justiça e por ele se dispor à
luta. Num amanhecer de dia de sol, ele morre acreditando que o Haiti e seu povo
encontrarão a liberdade e o direito de viver: A grande verdade é que o sol
do Haití nos mostra o quê fazer.
Mas,
no Continente, a lei das sombras sempre foi a vencedora. No entanto, para
aqueles que sabem ver, o compadre sol existe. Foi o que desejou deixar dito
Jacques Stephen Alexis.

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