domingo, 25 de fevereiro de 1990

Os frutos da terra

            Em Compère Général Soleil (1985) é contada a vida de Hilarion. Nascido na miséria, sua infância faminta, seu olhar sagaz para a vida lhe permite captar as palavras daqueles que entenderam antes de que é possível transformar a sociedade e impedir, assim, tanto sofrimento.

            A essa história – de fome, roubo, prisão, trabalho,amor, conscientização política e morte – se acrescentam outras, quase iguais e que delineiam o destino dos negros do Haiti.           Um Haiti que mostrado na sua paisagem rural e urbana que se degrada, juntamente, com o povo faminto

            Eu me entusiasmo! Eu me entusiasmo sempre quando olho para meu país... exclama Jacques Stephen Alexis em meio à narrativa. Porque se ele fala dos destinos dos homens, seu olhar não se afasta  da terra onde esses homens vivem. E, como um poeta,  lhe enaltece as virtudes: e o sol, e o céu, e o mar, e o vento, e o verde, e os perfumes. Um paraíso tropical e, nesse país de montanhas azuis, verdes, vermelhas, o fruto da terra desabrocha: batatas, milho, arroz, tâmaras, figos, mangas, bananas, pepinos, abacates, damascos.

            Para a maioria, para aqueles que batem os  pés descalços no solo duro e seco, trabalhadores que, incansavelmente, sempiternamente, desesperadamente correm e se inclinam sob os fardos ou se esforçam sobre máquinas, apenas um pouco desses frutos é suficiente para acalmar a fome. No verão, bem baratos, os abacates e os inhames permitem forrar o estômago das crianças. Logo, chegam os damascos, depois as mangas amadurecem e as árvores se carregam de frutas vermelhas e amarelas. Se as melhores e as mais cheirosas são levadas para  os bairros ricos, sempre sobram as outras para enganar a fome.

            Porque a generosidade da terra é bloqueada pelas estruturas sociais que oferecem a alguns o supérfluo e a quase todos o mínimo imprescindível. Nesse paraíso tropical, mais do que a cólera das tempestades, a queima das árvores para fazer carvão e a erosão causada pelos ventos, são os homens que se atribuem  poderes, os elementos mais daninhos.

            Para desmascará-los nos seus romances prenhes de verdades, por querer lutar em busca da justiça social é que Jacques Stephen Alexis encontrou a morte sob a tortura.

            Seu romance Compère Général Soleil foi publicado pela Gallimard de Paris sob a rubrica “L’ imaginaire”. Um país tão lindo como o Haiti e tão fértil e habitado por homens depauperados e infelizes, certamente, parece destinado a só existir num imaginário.

            Mas, aí está o mapa do Continente. Nele, a realidade dos frutos. E dos homens famintos.



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