Os dois primeiros livros de poesia de René Depestre foram publicados no Haiti
onde nasceu: Etincelles em
1945 e Gerbe de sang em 1946,
ano em que se inicia sua vida no exílio. E, somente em 1951 é que ele
tornará a publicar. Autor de uma vasta obra na qual se incluem vários livros de
poesia, ensaios e traduções, assim como o romance Le mât de cocagne,
publicado pela Gallimard em 1979.
Segundo
seu autor, Le mât de cocagne não é
nem uma crônica histórica, nem um romance em código, nem uma obra
auto-biográfica. É a história de Henri Postel, ex-senador de uma ilha tropical
que, ao se opor ao governo, dele sofre as mais terríveis penas: tortura e morte
de sua família e o castigo de viver no bairro mais miserável da cidade,
trabalhando atrás do balcão na venda de pregos, açúcar, barbante, velas e uma
dezena de outras mercadorias de uso corrente.
Após
suportar, durante cinco anos a lei ditatorial , legislando que nunca mais pudesse
ter, perto dele, nada cálido - nem
mulheres, nem crianças, nem parentes, nem amigos, nem correligionários, nem o
menor animal doméstico – Henri Postel decide escapar, partir para o exílio. No
último instante, porém, quando estava tudo pronto para conduzi-lo ao Canadá,
ele desiste para participar da competição anual de subida no pau de sebo.
Conseguir atingir o cimo do mastro na competição organizada pelo Poder e que
atrairá multidões, irá provar, no seu entender, que um homem sozinho e em
aparência, vencido, pode reencontrar-se e induzir o povo à ação coletiva.
A
narrativa se inicia com era uma vez um
homem de ação obrigado pelo Estado a
gerir um pequeno comércio situado na
entrada norte de uma cidade nos trópicos. Um claro desejo de conferir a
essa narrativa o tom de um conto de fadas, afastando-a, assim, do realismo
mimético. Um tom que nas últimas páginas do romance será substituído pelo
testemunho. Do narrador que se confessa incapaz de oferecer maiores informações
sobre o personagem após a sua vitória na competição e de Elisa Valéry, último
amor de Henri Postel, que numa longa carta, elucida sobre o destino de cada um
dos que participaram na perigosa e extrema aventura do ex-senador.
Como se o principal interesse da narrativa repousasse nesse destino individual,
nesse ato de coragem, de força física, de alento ideológico que irá norteá-lo.
No entanto, a ela se acrescentam elementos – descrições e enfoque sobre um
outro personagem – que não deixam dúvidas ser o Haiti o quê, realmente, importa
no romance. Um país desenhado no ritual
do vodu, na história de Pascal Joubert e nos pequenos quadros que no
decorrer da ação fixam um espaço
inconfundível, a cidade de Por-au-Roi, nome que encobre o da capital do país.
Magnificamente
descritos, dois rituais do vodu: um deles exorcisa o corpo de Henri Postel do
mal que o irá devorar se insiste nas suas pretensões; o outro faz com que o ditador incorpore ou seja
incorporado pelo “mât de cocagne”, para garantir a derrota de Henri
Postel; a história de Pascal
Joubert, impedido de trabalhar devido ao
defeito no caminhão que o dono demorou semanas para consertar, obrigado a vender seu sangue para poder comer até ficar exaurido; e quando se revolta
por não mais poder continuar a vendê-lo, é barbaramente torturado em praça
pública pelos representantes da lei; as cenas urbanas, rápidas, que deslizam
diante dos olhos de Henri Postel nas poucas vezes em que percorre as ruelas da
cidade, bastam para completar o quadro de decadência e miséria em que se
encontra o país.
São
momentos da narrativa que reproduzem como um espelho – com linhas mais ou menos
precisas, com tons mais ou menos fortes – espaços e situações do Continente.
Que
seja, então, permitido aos leitores entender as palavras de René Depestre que
antecedem as primeiras linhas do romance, como um indisfarçável e irônico
refúgio: “os acontecimentos e os personagens desta história pertencem à pura
ficção. Toda semelhança com seres, animais, árvores, toda similitude próxima ou
distante dos nomes, situações, lugares de sistemas, de rodas dentadas de ferro
ou de fogo ou com qualquer outro escândalo da vida real não podem ser senão o
efeito de uma coincidência não apenas fortuita mas propriamente escandalosa. O
autor declina firmemente a responsabilidade
em nome dos direitos imprescindíveis da imaginação”.

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