domingo, 23 de julho de 1989

Um boliche no pago

            “El Resorte” é um boliche no meio do pago, boliche como deve ser: um balcão para o freqüentador se encostar, um gato instalado num canto, uma aranha no teto e, cá e lá, pendurados uns salames.

Quase seria aquela “pulperia” de que fala Sarmiento em Facundo: ali se dão e se recebem as notícias sobre animais extraviados; fica-se sabendo onde caçar o tigre, onde aparecem os rastros do leão. É ali onde se combinam as carreiras e onde se conhecem os melhores cavalos; ali está o cantor, ali se confraterniza no passar do copo. Quase seria porque, na verdade, o que mais acontece no “El Resorte”  é a confraternização, é o passar do copo. E sempre lá estão a Duvija, o pardo Santiago, o índio Olmedo e os outros que chegam, que passam. Todos recebem atenções e, se for o caso, um conselho oportuno.

O índio Olmedo, com dor de dente, escuta, do recém chegado, que deve mascar fumo. O velho Turufa, entre vários conselhos, leva em consideração o da Duvija. Chegou a “El Resorte” desesperado de sono. A filha gostava tanto de serenata que toda a gauchada do pago lhe fazia o gosto, deixando o velho, sem poder dormir. Sabiamente, Duvija aconselhou :  case a moça. E foi o que ele fez. Para voltar outro dia, morto de sono e responder quando lhe perguntaram que tal lhe tinha saído o genro: louco por bombo.

E, entre  uns tragos e um jogo de truco, o tempo sobra. Para escutar “os causos”, para contar da vida e do coração, para armar um cigarro de palha. E os freqüentadores de  “El Resorte” não se admiram de nada: um chega no boliche com uma fantasminha que encontrou perdida; outro com uma planta de estimação e, ainda, outro com um guarda chuva maluco

Agora, quanto ao passar do copo, tem que ser de vinho. Porque diz o índio Olmedo: Cristão que se põe a tomar gasosa quando todos estão tomando vinho, não gosta de ninguém. Tomador de gasosa nem para vizinho serve.

E ao chegar um forasteiro, o pardo  Santiago se pergunta quanto tempo é preciso para que ele se torne de casa. E nisso pensava  quando, ao ouvir um galope, no melhor estilo de “gaúcho mau”,  o estranho se encosta no balcão empunhando a arma. A Duvija, solícita, lhe pergunta: Quer que lhe esconda o cavalo, forasteiro? Certamente, os tempos são outros porque o valente responde: Não esconda nada porque depois não acho o cavalo e vou ter que ir embora a pé.

Um mundo de amizades e de loucuras que, no contar risonho e terno de Don Verídico (Don Verídico se la cuenta, Montevideo, Ediciones de La Flor, 1975), só pode parecer verdade e não essa incrível e maravilhosa invenção de Julio César Castro o uruguaio dono de mil histórias, todas inigualáveis na arte de  fazer rir.

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