“e então, James Stewart com seu jeito de cara
legal, claro que diz uma piada e o filme termina com gargalhada final de
todo elenco como nos filmes americanos
que não se decidem entre a tragédia
grega e os três patetas. Estas são
as considerações finais do narrador de “El diablo son las cosas”, conto da
cubana Mirta Yañez, parte do livro homônimo, referindo-se ao filme Janela
indiscreta. E, a propósito da coincidência de estar vivendo uma situação
semelhante à de James Stewart, observador forçado do que se passa na casa em
frente a sua janela: o ritual cotidiano
da velha professora que, ao voltar para casa, todas as tardes, toma chá sem
açúcar, rega as plantas e senta-se para tomar o ar fresco do anoitecer.
Tranqüilidade interrompida pela presença de um camundongo na sua cozinha e da
necessidade premente de se livrar dele. Tentativa que procura meios incruentos
como entupir com jornal todos os cantos onde o camundongo possa se esconder.
Porém, como as disposições tomadas foram se mostrando ineficazes, acabou por se
estabelecer uma convivência pacífica entre os dois personagens. Até que o acaso
deu cabo do camundongo: a porta batendo no exato momento em que ele passava,
lhe tira a vida que muito garbosamente,
defendia.
O
observador de perna engessada que tudo acompanhava da janela, presenciou,
então, o choro sentido da velha professora e escutou a sua melancólica
observação: como são as coisas desta vida.
Embora
se trate de solidões, a do observador, a da velha professora e a do camundongo,
o tom informal, por vezes trocista da narrativa, evita um comprometimento mais
profundo com personagens e situações que, somente determinadas
características idiomáticas e dois ou três
referencias permitem situar no espaço do Continente.
Não
é o que acontece em “La risa”, conto de Eduardo Gravina que faz parte do livro Despegues
(Prêmio Casa de las Américas, 1974) em que a cidade na qual se passa o episódio não é mencionada mas é
espaço iniludível. Numa de suas ruas, de seu quarto de pensão, estudantes se divertem espiando a vizinha que
mora na frente e que, todos os dias, aparece, perturbadoramente fiel,
na sacada: esplêndida jovem de flutuante cabeleira loira, rosto de beleza nórdica.
Seguem-lhe os gestos e os passos na expectativa de um olhar, um sorriso, uma
palavra, recebendo, em troca, somente um cauto, um breve evanescente movimento de
cabeça, nunca dos lábios. O
imprevisto acontece com a chegada, a desoras,
do pai da jovem musa. A quase chegada, aliás, pois a embriaguez que o
conduzia aos tropeções, o deixou a meio caminho. Na sacada, os observadores,
incautos, deixam escapar a gargalhada que a situação propiciava.
Inesperadamente, surge na calçada, para ajudar o pai, a bela vizinha e, pela
primeira vez, ouvem-lhe a voz numa frase que lhes chega como um copo de cicuta: idiotas, mal educados, ordinários.
Palavras suficientes para oferecer-lhes a grande decepção - adeus
divindade nossa, adeus jogos de imaginação e ao conto dar o seu final.
No
Continente, porém, raras vezes, as intenções da narrativa são ingênuas. Em “La
risa”, o autor uruguaio apenas menciona
os golpes e as prisões sofridas por estudantes, mas descreve, detalhadamente o
vir pela rua aos trambolhões, o cair após as
evoluções prévias, o lutar para passar da posição zoomórfica para a antropomórfica de um cidadão considerado
pelos estudantes como “coronel anti- subversivo”.
Com
certeza, pouca ou nenhuma relação com o final feliz moralista em que pontificou
James Stwart em A janela indicreta. No Continente Latino-americano, os
olhares indiscretos seguiram em Cuba os passos espertos de um camundongo e seu
tragicômico destino; no Uruguai, os passos cambaleantes de uma autoritária figura
que, em pleno dia, os excessos etílicos levam a perder o equilíbrio e a tão
imprescindível compostura.
Talvez
uma metáfora. Certamente, uma catarse irrenuncíavel para quem escreve e,
imprescindível para quem lê pois não é fácil continuar respirando em meio aos miasmas do
Continente.

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