domingo, 16 de julho de 1989

O rastreador

            São quatro as figuras do Pampa argentino,  descritas magistralmente  por Domingo Sarmiento no seu livro Facundo: o vaqueano, o “gaúcho mau”, o cantor e o rastreador. Este, diz Sarmiento, o mais extraordinário de todos, uma pessoa grave, circunspeta, cônscia do saber que possui. Saber que o torna respeitado, temido. Sua palavra é lei e ricos e pobres podem vir, um dia, a precisar dela ou de seus serviços. O rastreador sabe seguir nas amplas planícies, onde se cruzam trilhas e caminhos em todas as direções, onde em campos abertos pasta o gado, o rastro do animal e distingui-lo entre mil.
 
            Facundo foi escrito em 1845. Em nosso dias, Don Verídico, fala de um outro rastreador. Em Don Verídico se la cuenta, Julio César Castro recria um universo campeiro povoado de jogadores, pintores, apostadores, trançadores e outros tantos que, abstraindo o exagero do narrador, um Barão de Munchaussen local, fazem parte de um cenário circunscrito ao “rancho”e ao “boliche”, os dois polos entre os quais eles se movimentam.

            É no boliche “El Resorte” que as coisas acontecem. Quase sempre, lá estão os mesmos freqüentadores com seu copinho de pinga ou congregados ao redor de um garrafão de vinho. E, nos melhores dias, congregados, também, ao redor de uns pedaços de queijo. É para lá que se dirigem todos os habitantes masculinos do pago para expor suas preocupações, contar suas penas, procurar soluções . Lá, se encontraram  Clemento Saliva e Nicanuto Lereno. O primeiro, tomando pinga perto do balcão e como que meio bravo porque era assim que estava desde que lhe fugira a mulher.. Viu entrar Nicanuto Lereno, o rastreador. Dele se aproxima para dizer que os homens foram feitos para servir uns aos outros e que por isso e, também, por conhecer sua fama, queria pedir que lhe  encontrasse a mulher.

            O rastreador respondeu que isso de ir embora era típico de mulher. O marido explicou que não era tanto pela mulher a tristeza mas por que ela havia levado junto um poncho que era dele e da maior estimação. Compreensivo, o rastreador não pode se negar de prestar-lhe a ajuda pedida e foi embora a pé, puxando o cavalo pelo cabresto. Ele era um rastreador, dizia Don Verídico, que tanto rastreava bicho como cristão. Qualquer coisa lhe servia para marcar o rumo: um capimzinho seco, um fósforo apagado, a maneira do quero-quero gritar, a cara de susto de uma aranha, uma formiga de perna quebrada.

            Era uma fama pesada de carregar. Nicanuto Lereno chegando em casa mateou a noite inteira. E foi lá pela madrugada que ele falou na direção do quarto:
- Chê, Forina!
 -Que?

 -Junta tuas coisas e volta para casa. Não esquece de levar o poncho.

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