Em
1965, Jorge Luis Borges publicava em Buenos Aires, Para las seis cuerdas,
reunião de suas milongas. A milonga é uma canção popular, geralmente sentenciosa
e alegre, acompanhada de guitarra e muito do gosto dos platinos. Na pequena
nota introdutória que as precedem, Borges aconselha o leitor a
suprir a música ausente pela imagem de um homem que cantarola na soleira de um saguão ou num armazém, acompanhando-se
com a guitarra. A mão se demora nas cordas e as palavras contam menos que os acordes. A essa primeira edição de
nove milongas, seguiu-se outra, cinco anos depois, da quais o autor retirou uma
delas e acrescentou outras três. O livro passou, então, a ser formado por doze
milongas. A terceira tem por título “Donde se habrán ido?” (Para onde foram?) . Uma reflexão
essencialmente borgiana sobre o perene e o transitório. Sobre as eternas
repetições e o finito causado pelo passar
do tempo. Desta vez, a repetição infinita é o brilhar e o morrer do sol,
a presença cotidiana da lua. O passageiro, a breve presença do homem na terra.
E, nostálgico, o lamento do desaparecimento dos valentes de outrora, dos que
libertavam nações, dos que, na guerra, marchavam em batalhões. onde estão os que morriam / Em outras revoluções?, ele pergunta. E afirma: Acabaram-se os valentes/ e não deixaram
sementes.
Trazendo
como epígrafe esses versos, “Milonga de contestación”( Milonga de resposta),
uma das onze milongas que fazem parte do
livro Cuestiones con la vida de Humberto Costantini. Ele não leva a
sério que palavras contam menos que acordes e mensura os versos de Borges. Com
humilde ironia, opondo sua guitarra
modesta à de Borges, guitarra luxuosa,
se atreve a dar um retruque. Porque não é bom que o silêncio permita que homens
valentes sejam, humilhados pelo esquecimento, pedindo, por tal razão, para
remediar esse descuido. E, escolhe três nomes: Morales, o
nicaragüense que, para cobrir a retirada de seus homens, sozinho, enfrentou
mais de duzentos e cinqüenta; Irurzún, que no Paraguai, livrou a América do
ditador Somoza. E o Che, cujas façanhas, no seu entender, honrariam, muito mais
o poema de Borges do que as turvas proezas
dos esquecidos Chiclana e Muraña. Borges, teu
destino era / cantar Ernesto Guevara diz, enlaçando nos mesmo versos essas
duas figuras díspares. E, certamente,
não precisando de mais nomes, continua a
versejar pois, no seu entender, esses
três são suficientes para dar por encerrado o assunto de que já não existam
valentes. E conclui: Já vês, Borges, que
aí estão / e aí estão seus corações / e ainda há valentes que morrem /em outras
revoluções.
Em
Borges, o desalento que força o olhar para o passado, talvez. Em Costantini, a
exaltação do presente a olhar para o futuro. Ao leitor de decidir, de refletir
sobre as ações oriundas das lutas que hoje coexistem e decidir se aqueles que a
praticam são os valentes ou os covardes de nosso dias.

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