domingo, 7 de maio de 1989

Presença fugaz no sonho de um sonhador

            Em El hombre que trasladaba las ciudades, Carlos Droguett conta uma história que pertence à História Oficial : a fundação da cidade de Barco, em 1550, por Juan Núñez de Prado. Uma cidade que, ameaçada de invasão inimiga, vítima das obsessões de seu fundador, foi condenada a quatro mudanças antes de seu assentamento definitivo, três anos depois, então com o nome de Santiago del Estero.

            Um punhado de homens, sonhadores, aventureiros, a fizeram e desfizeram. Carretas e índios a transportaram sob o sol e a chuva. No Continente que ia sendo rasgado, lutas e trabalhos árduos marcavam o caminho de um sonho: erguer uma cidade para o futuro.

            Solidão, atos oriundos de dúvidas, certezas pregadas sem fé, num mundo masculino.Nele, distante, imagem efêmera,  a mulher.

            Juan Núñez de Prado a vislumbra, por momentos. Índias nuas à beira do rio; índias rindo, envoltas em seus cabelos; índias massacradas pela invasão dos brancos. Ou, diluídas figuras de uma noite de amor no Velho Mundo.

            Na América, absorto na realidade que busca ( o traçado das ruas, o quartel, a casa do bispo, a prefeitura, o lugar onde o dízimo será cobrado, a mansão de verão para o Vice-rei) se insere a desejada presença feminina. Juan Núñez de Prado a quer urgente e necessária. Para que haja crianças, crianças filhos dos arroios ou dos salões, para que surja, enfim, uma cidade, uma bela cidade, um belo sonho realizado. Então, as sacadas se encherão de flores, atrás dos postigos se escutarão suspiros e risos abafados, barulhos leves de saias descendo as escadas.

            Verdadeira imagem luminosa, contrapondo-se à miséria do presente feito das chuvas, dos pedaços da cidade se perdendo na trilha das carretas, dos homens feridos e maltratados.

            Nas densas páginas de El hombre que trasladaba las ciudades reina o homem. O seu pensar, o seu fazer, o se sentir. Na ilusão que o faz persistir na aventura da conquista, a visão do feminina extrapola o imaginado erotismo dos gestos (desprender de cabelos, soltar de botões), os adivinhados anseios ( enrubescer entre sustos,  alvoroçar dos choros)  para ser presença feita  do agitar de anáguas.Ou, da imagem fugidia que fixa um riso, um olhar, de algo inimaginável que se desprende de seus cabelos, de seu avental. Prosaicamente cotidiana ao pertencer a um universo em que a acompanham o cacarejo das galinhas, o cheiro da terra semeada. E, verdadeiramente, apenas, no sonho de Juan Núñez de Prado. Pois se desfaz como se desfez a cidade que ele desejaria ter criado.

            Ambições se sobrepujaram à sua. Preso, Juan Núñez de Prado partiu de Barco que foi, só então, definitivamente, assentada. Outro fora o vencedor.

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