domingo, 14 de maio de 1989

Um condor no barro

            Na imensidão do Continente, na imensidão de suas tragédias, a presença desmedida de León Lozano, alcunhado O Condor, chefe poderoso de uma turba que, obedecendo ordens do Partido Conservador, durante meses e com o objetivo específico de neutralizar eleitores do Partido Liberal, assassinou quase todos os habitantes de Tuluá, uma cidade da Colômbia.

            Oriundo de gente humilde, conseguira um pequeno mas confortável lugar ao sol. Extremamente religioso e fiel a seu partido político, de repente,  se vê alçado, no seio desse Partido à liderança de uma função repressiva. Função  que exerceu com eficácia e, em Taluá, instalou-se o signo da morte. Foram centenas de mortos a povoar o cemitério. Nos primeiros, balas na nuca; nos demais, facadas, pauladas, amputações. A medida que tais mortes foram ficando impunes pelo governo, silenciadas por uma imprensa  censurada, passaram a ser realizadas, não apenas à noite, como no início, mas a  qualquer hora e em qualquer circunstância  sem pejo dos cadáveres atirados nas calçadas da cidade.

            É esse o assunto de Condores no entierran todos los dias, um romance do colombiano Gustavo Alvarez Cardeazábal que, até 1984, já havia alcançado quinze edições legais e umas dez edições piratas. Um livro concebido como obra de ficção, embora muitos de seus personagens tenham os nomes dos que semearam o terror nas ruas da cidade ou dos que acabaram no cemitério. Não fiz mais que o tradicional ofício do romancista que recria a realidade  em que vive ou que lhe atormenta as lembranças.  Na verdade, o que Gustavo Alvarez Cardeazábal registra são fatos que aconteceram em Taluá durante os cinco anos em que esteve sob o domínio de O Condor. São fatos que não estariam distantes do inacreditável. Um inacreditável que é cotidiano no Continente.

            León Maria Lozano, prestando-se a ser um  instrumento do Partido Conservador, embora sem portar armas e sem admitir o assassinato de mulheres, sem jamais ter, ele próprio executado quem quer que seja, é aquele cujo olhar de mula cansada não lhe permite perceber o que, realmente, está ajudando a destruir. Taluá vai sendo despovoada. Nas montanhas que a cercam, também se instalou o êxodo e nas pequenas cidades vizinhas, a vida terminou languidamente.  O destino de todos estava pendente dos bilhetes que, em letras góticas, fixavam a data da execução: quarenta e oito horas, uma semana, um mês. Ou o destinatário se submetia a sua sorte ou  abandonava terras e bens para superpovoar as cidades grandes com seus rostos entristecidos, marcados para sempre com o signo do terror. O narrador vai contando os disque-disques dos personagens, vai ordenando os episódios que irão formar a terrível crônica da violência que ele se propõe narrar com  uma acumulação de invenções.

             E o romance que pretendia escrever, transformou-se, a sua revelia, num livro que narra parte da História de seu país.

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