domingo, 18 de junho de 1989

A espera

            Quando voltava do exílio, o avião fez escala no Rio de Janeiro e Antonio Di Benedetto foi fazer algo muito simples: comprar café. O suficiente para ser roubado de todos os dólares que trazia, fruto dos direitos autorais que recebera. Pouco depois, ele morria sem  tempo de  realizar o sonho de ter um de seus livros traduzido para o português.

            Nascido no dia 2 de novembro de 1922 em Mendonza, Argentina, é autor de uma obra densa e de rara qualidade. Após  muitos anos de jornalismo, se inicia na Literatura, ao trinta anos, com um livro de contos, Mundo animal. Seguem-lhe El cariño de los tontos e Declinación y ángel e os romances El pentágono, El silencioso e Zama sua obra mais conhecida.


            Zama é a biografia fictícia de um personagem histórico, Don Diego de Zama, funcionário do Vice-reinado do Prata. Em Assunção, no ano de 1790, incapaz de se opor a seu destino ele espera. Espera um barco, uma carta de sua mulher Marta, espera a chegada de uma mulher loira que lhe povoa os sonhos, espera o decreto real que o levará de volta a Buenos Aires. Enquanto isso, na pequena cidade de ruas empoeiradas, de costumes restritos, Don Diego sufoca na tremenda solidão que o seu caráter lhe impõe.

            O ar e a luz lhe chegam, então, das breves visões femininas que o acaso lhe permite: uma pequena mão enluvada  pousada na janela de uma carruagem; um olhar provocador e fugidio; a nudez feminina entrevista através da folhagem no banho do rio.

            Um olhar mais demorado, como casual, num jantar protocolar, o predispõe à conquista e se lança ao assédio de Luciana, mulher de Honorio Piñares de Luenga. Olhares, visitas, efêmeras carícias e repetidas promessas, jamais cumpridas o ludibriam e esgotam.

            Protegida pelo casamento, pela criadagem, pelas normas vigentes, a mulher branca é inatingível. Fáceis, as outras, as de corpo moreno, as índias, as negras, as mulatas. Mas branca e espanhola há de ser, ele repete.

            No entanto, o amor esperado não se cumpre. As mulheres que entrevê e procura, se perdem. Luciana parte para a Espanha e Don Diego sucumbe ao próprio chamado. A mulher que o recebe não é branca nem espanhola. É parte desse mundo imenso que está a ser refeito, ordenado pelos que chegaram ao Continente e tudo  podem, de tudo se apossam e que acreditam tudo saber.

            A espera do amor, como as demais que atormentam Zama, foi fraudada. Prisioneiro da vida, impotente diante dos fados ele o seria em qualquer lugar do planeta. Mas, para Antonio Di Benedetto, o seu destino só poderia ter por cenário a América. E, embora nem o Paraguai, nem Assunção sejam citados no romance, é deles que se trata. E do Continente. Porque os elementos externos caracterizadores – a orografia, a hidrografia, a fauna, a flora, a linguagem, as crenças, a arquitetura – são menos sugestivos na construção da verdade romanesca do que as imagens desse hierárquico mundo colonial ibérico, pejado de instituições e de preconceitos.

            E, verdadeiras devem ser as palavras de Antonio Di Benedetto quando uma vez disse: Diego de Zama é o drama de todos nós que passamos a vida esperando e que nos fazemos vítima da espera.  A essas  vítimas ele dedicou o romance. Isto é, para nós, os filhos do Continente.

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