sábado, 23 de julho de 1988

Carlos Droguett: do imaginário ao real

             Eloy foi traduzido em vários idiomas e se constituiu o livro de Carlos Droguett que mais trabalhos críticos e comentários suscitou. No entanto, o autor chileno não se deixou abater pelo seu exílio e continuou a escrever desesperadamente, assinando algumas obras que, sem dúvida, irão se inscrever entre o melhor que se produziu na ficção deste século.

            Patas de perro é uma delas. Em espanhol, foi publicada em 1965. Traduzida para o francês, apareceu em 1981 pela Denoël de Paris. Tanto pela crueza de seu argumento quanto à forma como se estrutura a narrativa, se constituiu um momento muito especial não apenas na Literatura Chilena contemporânea como na Literatura do Continente latino-americano.

            Patas de perro é a história   de um ser extraordinariamente anormal onde se unem o corpo de um belo menino e umas belas patas de cão. É claro que ele não era um menino disforme, não, seu corpo era firme e esbelto, delgado e duro, quase atlético, apesar de se alimentar tão mal, e suas pernas eram um par de soberbas patas de cão, robustas e orgulhosas, eretas e quase feras, e na criatura se juntavam de um jeito tão natural que parecia que ele nascera de uma geração muito antiga e refinada, de uma maravilhosa família  de seres humanos com patas de cão.

            Um  “monstro horrível, “um belo menino, “um cão horrível”. A existência de Bobi pode ser questionada, inclusive a partir das palavras do narrador: alguns dizem que estou ficando louco e que o menino nunca existiu. Inquestionável, no entanto,  é a violência sofrida pelo menino-cão. A figura de Bobi é fruto d e uma fantasia agressiva e bastaria para empalidecer toda a realidade ficcional que o encarcera. Porque, não sendo como os outros, a sua história  é uma história de múltiplas vexações: ora ele é exibido como um monstro numa vitrina, ora jogado no chão com as mãos amarradas, ora preso num leito de hospital ou entre as grades de um canil.

            Situações que, na verdade – abstraindo-se a comovente figura do menino cão – com maiores ou menores semelhanças, fazem parte do cotidiano do Continente.

            Desde o início de sua carreira, Carlos Droguett se atribuiu a missão de delatar as humilhações de que o homem é vítima. Aqueles que lhe conhecem a obra   não ignoram, porém, a profundidade com que ela se enraíza no real. E, ancorada na realidade, o mundo de Patas de perro, queiramos ou não, é o mundo dos latino-americanos.

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