sábado, 9 de julho de 1988

América Latina: 500 anos de conquista

          A propósito da publicação de O século do vento, terceiro volume da trilogia Memórias do Fogo de Eduardo Galeano, Emir Sader na revista Senhor , número 375  de 30 de maio de  1988, fala dessa situação incongruente que é a ignorância cultivada pelos  brasileiros em relação ao restante da América Latina. Constatação que pode ser entendida por alguns: aqueles, poucos, cujas condições financeiras e culturais permitem um interesse não restrito apenas às questões de sobrevivência que afligem a maioria dos brasileiros.

          No entanto, esse desconhecimento que os latino-americanos mantém a respeito de seus vizinhos, que tanto pode ser fruto de ignorância como de um desinteresse originada de interpretações ainda presas a uma visão de mundo colonizada – irá levar a determinadas opções e ao endosso de outras, por vezes, alienígenas. Se informações sobre o que se passa na América Latina fossem divulgadas, se houvesse o hábito de refletir sobre o significado dos acontecimentos, sem dúvida, tais posicionamentos poderiam deixar de ser indiferentemente passivos e, inclusive, passar a ser reformuladores.

          Com o desconhecimento do que se passa na América Latina devido, sobretudo, a um sem número de obstáculos, continua o Novo Mundo a receber, quase sempre, informações através de agências noticiosas de outros continentes que, obviamente, decidem o quê e o quanto deve ser divulgado..

          Tal situação torna explicável a criação do “Movimento América : 500 anos de conquista” ter sido dado a conhecer no Brasil um ano depois de ter sido criado, em 1986, na Itália. Nesse Movimento se insere o projeto de trabalho “12 de outubro  de 1992: 500 anos de conquista da América” que se constitui uma proposta de reflexão sobre o real significado da descoberta do Novo Mundo.  Novo Mundo que já possuía, em 1550, quarenta mil anos de História e com  uma imensa população que os chamados civilizados, no intuito de efetivar o assim chamado ato civilizatório, reduziram à terça parte. Nesse Projeto estão envolvidos quarenta e dois países d as Américas e da Europa, inclusive o Brasil cujo Comitê, estabelecido em Campinas, divulgou suas linhas gerais numa revista trimensal, publicada pela Editora  Ícone que dará guarida aos trabalhos inseridos no Projeto, guardando no título a idéia primeira: América latina: 500 anos de conquista.

          No seu primeiro número, foram publicados oito trabalhos assinados por Paulo San Martin, Eduardo Galeano, José Luiz Del Rio, Rodrigo Andréas Rivas, Florestan Fernandez, Rodrigo e Doroti Schwade e Martinho Lutero . Seu denominador comum poderia ser resumido no título de Eduardo Galeano: “Direito dos povos e direito à vida”, pois em cada um deles se assinalam as mortes e as destruições inscritas na história do Continente para alimentar a sanha e a cobiça dos conquistadores.

          Palavras mais do que nunca necessárias nesse Continente – excetuando Cuba e, esporadicamente um outro espaço – conduzido por interesses sempre estanhos e escusos ao  desconhecimento de si  mesmo, das próprias forças e mesmo das próprias fraquezas.

          Quando vozes se alçam para louvar a descoberta é, também, sobremodo importante  que se alçam as que irão quebrar um silêncio que, ao contrário, continuará a pairar sobre os heróis e os mártires que não se inscrevam na História oficial.

          O projeto Äméica Latina: 500 anos de conquista abre um caminho. Aqueles que rejeitam as trilhas conhecidas poderão optar por ele. O momento é, sem dúvida, mais do que nunca propício para que a História da América seja escrita a partir de um outro foco narrativo.    

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