Acaba
de sair, pela Mercado Aberto, de Porto Alegre, a segunda edição de Contos de sempre de Aldyr Garcia Schlee
Nascido
em Jaguarão, às margens do rio que separa as terras brasileiras das uruguaias,
ele é autor de contos que fazem reviver esse gaúcho da fronteira que mais se
integra nos campos imensos que no espaço
dos limites oficiais.
Contos de sempre se compõem de dois
grupos de narrativa: “Os de ontem”, episódios das lutas travadas no território
disputado pelos portugueses e espanhóis e “Os de hoje”, situados no mesmo
espaço geográfico, hoje parte do território rio-grandense. Os personagens, como
se fossem sempre os mesmos. Na segunda parte, degradados pelo passar do tempo e
pela perda de seus valores.
Entre
as doze narrativas, sobressai, como peça valiosa e única, a primeira da
coletânea: “Verdina”. Embora inusual, um nome que anuncia o personagem feminino
que, também inusualmente, aparece na narrativa e na vida do gaúcho Pedro: Uma negra de olhos azuis chamada Verdina. E um cumpridor de nome Pedro. Ela, de certo,
filha de patrão ou patrãozito do outro lado do rio, filha de mucama manceba do
dono, de olhos azuis; ele, sozinho com o rancho, o cavalo, com a divisa que
levava no chapéu – sozinho como órfão, como guaxo e como agregado. E o campo
verdiando em volta, iluminado de sol e de vida.
Presença
feminina que se agranda pelos olhos e pelo sentir do gaúcho. E, a partir dessa
presença, também a ausência e uma solidão que aumenta. Enorme, enexpugnável
nesses dois seres sós em que todas as palavras são sepultadas por prudência,
por orgulho, consciência de classe e racismo que irão congelar os anseios do
homem.
A
narrativa acompanha umas poucas horas – as mais densas, talvez as mais
luminosas e cruéis da vida de Pedro e, habilmente, entrelaça o passado e o
presente. Passado que se faz presente pela força das emoções. Presente que nas
sensações irá se prolongar para sempre. O passar do tempo e a distância
percorrida, indicados por uma ação sem
verbos: os corpos unidos no galope, no trote, na
marcha, no galope e no trote, na marcha, no passo....
Depois,
simultâneo com a ação, o dar-se conta do que acontecia, do que lhe acontecia.
Pedro, na medida que desensilhava o cavalo, que o libertava dos arreios, ia,
ele próprio, se desnudando diante de si mesmo, compreendendo-se entregue.
Entrega, porém, que ele não se permite, mesmo vendo a dança amorosa do casal de
bem-te-vis no ar e mesmo vendo de perto a cova de um casal de corujinhas do campo. Embora com o
peito apertado, ele recusa o destino sem a solidão.
Da
mulher, de Verdina, pouco se diz: de seu jeito de ser fêmea, de seus olhos:
mais que vermelhos de choro, uns olhos
que sorriem, se escondem, se levantam brilhantes na linguagem da conquista.
“Verdina”,
sete páginas emarcadas no primeiros anos da História do Rio Grande do Sul
- e as mortes pela degola, e as lutas, e
o destino das mulheres – criando um momento de raro valor na Literatura do
Continente. E dois seres que mais do que símbolos de uma época significam o
eterno desencontro que pode acontecer entre um homem e uma mulher.

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